terça-feira, 21 de novembro de 2006

Soja é inviável para a produção de biodiesel

Por Alexandre Borscheid*
19 de outubro de 2006

O biodiesel não pode representar uma salvação para a monocultura de soja, que tem alto custo de produção e ainda baixa produtividade na produção de óleo vegetal. Apesar das grandes transnacionais do agronegócio desejaram tomar conta do mercado do biodiesel, a alternativa para os pequenos agricultores é diversificar os cultivos, evitando a monocultura, manter a produção de alimentos e entrar no plantio de biodiesel de forma autônoma, sem depender de grandes empresas. Essa é a avaliação do engenheiro agrônomo Alexandre Borscheid, que trabalha no projetos da Cooperbio e da Biopampa, em parceria com a Petrobras, para a produção de biocombustível, envolvendo o trabalho de milhares de pequenos agricultores e assentados no Rio Grande do Sul.

O agronegócio está vendo no biodiesel uma possibilidade de salvar a monocultura da soja. Você acredita que a soja será útil para a produção de biodiesel?
Eu acredito que não, porque a soja foi desenvolvida historicamente para ser uma fonte de proteína, tanto que ela contém apenas 18% de óleo. Então, para ser produzida como uma oleaginosa, tendo o seu produto principal o óleo, ela é inviável porque é muito pouco produtiva. Eu acredito que não, a menos que, com a tecnologia, se pudesse desenvolver outras variedades com mais óleo. Mas eu acredito que não, porque há um outro elemento que hoje compromete o cultivo da soja, que é o alto custo de produção. A soja é um cultivo petrodependente, ou seja, que depende de grandes quantidades de insumos derivados de petróleo, como é o caso dos adubos químicos e dos agrotóxicos. A tendência, com o aumento do preço do petróleo, é o custo de produção da soja se elevar ainda mais. Por isso que ver na soja transgênica uma perspectiva para a produção de biodiesel, eu acredito que não tem viabilidade.

Com a necessidade crescente de produção de energia, é possível que ocorra uma disputa de áreas agrícolas entre a produção de biocombustível e a produção de alimentos?
Com toda a certeza. Como o agronegócio chama, essas grandes commodities têm essa disputa. Até porque a soja é uma das principais fontes de proteína vegetal. E para a produção animal, tanto de frango como de suínos, e na própria bovinocultura, a soja é uma fonte de alimento proteico fundamental. O desejo de continuar produzindo soja como fonte proteica vegetal para a produção animal vai continuar exisitindo. E com certeza vai haver aqueles que vão trabalhar a soja para a produção de biodiesel. Por isso, em todo o mundo, a tendência é que haja uma disputa de áreas de cultivo agrícola entre a produção de alimento e a produção de biocombustível. É um perigo, uma encruzilhada que a humanidade vai enfrentar nas próximas décadas. Por conta da grande crise energética que vai se viver no planeta, com o fim das reservas de petróleo, a tendência é a produção do biocombustível. Com toda a certeza, o biocombustível vai disputar áreas agrícolas com a produção de alimentos, o que seria um grande risco para a humanidade.

O que os pequenos agricultores devem fazer para entrar na produção de biodiesel sem deixar de produzir alimentos?
Eu acho que a agricultura camponesa, em hipótese alguma, pode se transformar em propriedade de produção apenas de biodiesel. Tem que estar inserido, porque é uma fonte de renda e uma atividade que vai estar em disputa no planeta. Mas hoje, se sabe que a imensa maioria dos alimentos produzidos vem das pequenas propriedades, vem da agricultura familiar. Deixando de ser isso, se descaracteriza, e perde força inclusive política no enfrentamento contra o latifúndio. Então, para produzir álcool, óleo para biodiesel, é uma atividade que a agricultura familiar vai entrar. Mas seria um grande equívoco deixar de produzir alimento, que é a principal atividade, onde se firma a agricultura camponesa, onde ela tem sua viabilidade. Se a agricultura familiar migrar essencialmente para a produção de biocombustível, isso significa um risco para as pequenas propriedades, como um risco sério para toda a alimentação humana.

Para os pequenos agricultores, o desafio é evitar a monocultura e manter a produção de alimentos?
A pequena propriedade de economia familiar não tem como viabilizar sua sustentação se for no modelo de monocultura. A grande viabilidade das pequenas propriedades é o sistema de produção diversificada. Fundamentalmente, mudando a base tecnológica de produção, que hoje é agroquímica, passando para um modelo agroecológico. Isso é que vai dar a sustentação desses agroecossistemas das pequenas propriedades. É fundamental construir bem sistemas integrados que possam produzir biocombustível e alimentos. Aí entra a importância do bom aproveitamento dos resíduos da extração de óleos. No caso da mamona, do pinhão-manso, do tungue, são plantas que a torta do grão de onde é extraído o óleo é tóxica, então não pode fornecer diretamente para o animal. Teria que passar por um tratamento físico, térmico ou químico para tirar essa toxidade, o que não vale a pena, até porque são tortas de grande valor para adubação orgânica. No caso dessas plantas, elas vão ter um papel importante no sistema integrado de produção como fonte de adubo orgânico, para incorporar matéria orgânica no solo e recuperar a fertilidade do solo. No caso do girassol, amendoim, de outras oleaginosas que não têm problema de toxidade, são alimentos importantes para a produção animal. Com isso, as pequenas propriedades poderão aumentar a produção de ovos, de leite, de carne, viabilizando ainda mais os sistemas de produção nas economias familiares.

Não existem riscos de as grandes empresas continuarem explorando os pequenos agricultores também na produção de biocombustíveis?
Com toda a certeza isso vai ser um outro elemento em disputa na sociedade. Se não houver uma intervenção do Estado para priorizar as políticas para as pequenas propriedades, para a agricultura camponesa, a tendência é as grandes empresas transnacionais ocuparem esse mercado, que é extremamente promissor economicamente. Como essas empresas têm como objetivo principal o lucro, elas vão avançar para cima das áreas agrícolas, para aumentar sua lucratividade. É o que se vê na cadeia do fumo, e também na suinocultura, na avicultura, onde as grandes empresas implantam sistemas de integração, onde os agricultores assinam contrato, se comprometendo a adquirir todos os insumos das grandes empresas, muitas vezes com preço acima do mercado, e com o dever de entregar toda a produção para as empresas. São os famosos sistemas de integração. Se a produção de biocombustível caminhar neste rumo dos sistemas integrados, isso coloca a agricultura familiar num risco muito sério. Porque aí, quando firmar esses contratos, a pequena propriedade fica completamente sem opção, tem que seguir à risca o que determina a empresa. Isso representa um sério risco na sobrevivência das pequenas propriedades. O interesse das empresas é trabalhar a monocultura. A gente vê as empresas fumageiras, quando integram um agricultor no seu sistema, ela só quer saber de fumo. Não interessa para elas que o agricultor plante alimento, crie vaca de leite, galinha... muito pelo contrário, muitas vezes combatem inclusive esses sistemas de produção diversificados. Isso é um sério risco para a humanidade, e os agricultores organizados têm que resistir ao máximo que se implantem esses sistemas de integração. Tem que ter produção com autonomia, a partir da discussão com os agricultores, com projetos próprios, onde se possa garantir a produção de energia líquida preservando os sistemas de produção de alimento.

Para finalizar, do que se trata essa tecnologia do H-Bio, que tem sido mencionada como uma alternativa?
O H-Bio é uma tecnologia desenvolvida pela Petrobras, onde o óleo vegetal é adicionado diretamente no petróleo bruto, e a partir daí é refinado. Ou seja, o óleo vegetal é refinado misturado com o petróleo. Esse H-Bio, do ponto de vista ambiental, não terá muito efeito. Um aspecto interessante dos biocombustíveis é a redução da emissão de gases poluentes que provocam o efeito estufa. Já o H-Bio não terá o mesmo efeito. Tanto é que a legislação determina que mesmo o diesel produzido a partir do H-Bio tem que ser adicionado os 8% de biodiesel, porque o efeito dele não é o desejado. Neste sentido, é uma tecnologia que amplia o uso do petróleo, porque vai aumentar a possibilidade de reservas, como uma fonte de energia líquida para ser consumida. Mas do ponto de vista ambiental não vai resolver. Nós acreditamos que não é uma tecnologia que vá ter grandes resultados para o ambiente, para a humanidade, para os pequenos agricultores. Neste momento, o ideal ainda é o biodiesel. O H-Bio vai interessar às empresas petroleiras, que vão aumentar sua disponibilidade de matéria-prima para produzir derivados de petróleo.

O engenheiro agrônomo Alexandre Borscheid é um dos coordenadores do projeto de produção de biodiesel das cooperativas Biopampa e Cooperbio.
Fonte: Zoonews

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