terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

ENTREVISTA - EXPEDITO PARENTE (17/2/2008)

ENTREVISTA - EXPEDITO PARENTE (17/2/2008)
´No curto prazo, usinas não serão atendidas´

Expedito Parente conduz hoje pesquisas para a produção do bioquerosene, a ser usado como combustível de aeronaves (Foto: Thiago Gaspar)

O baixo preço pago ao produtor rural ainda é o maior entrave ao deslanche do plantio de oleaginosas. Esta é a avaliação do engenheiro químico Expedito Parente, inventor do biodiesel, que comenta, nesta entrevista comenta as principais missões do combustível no Brasil.

Os seus experimentos que culminaram na criação do biodiesel foram concluídos no fim dos anos 70, mas o combustível só agora começa a se tornar uma realidade de consumo. A que o senhor atribui este atraso?

Na época, o biodiesel foi ofuscado pela produção de álcool. Como o mercado de açúcar estava em crise, com preços muito baixos, o setor sucroalcoleiro tinha a necessidade por alguma alternativa por onde escoar sua produção. E a produção do etanol se tornou a salvadora da situação, não deixando espaço para o biodiesel. Não havia na época a visibilidade da real escassez do petróleo, do efeito estufa e dos demais danos que o petróleo causa ao meio ambiente.

Na sua avaliação, quais os prejuízos ocasionados por este atraso?

Sempre que participo de qualquer evento e sou questionado sobre a importância do biodiesel, respondo indagando sobre o preço de não produzi-lo. E este preço é muito alto. Não produzir o biodiesel significa miséria no campo, efeito estufa, poluição e doenças nas cidades. Esta é a questão se que impõe, e o prejuízo é justamente não ter avançado nestes pontos.

O que o Pro-Álcool deixou de herança para o programa do biodiesel?

O Pro-Álcool foi um programa de exclusão social para assegurar a produção de um combustível que é de uso individual. O biodiesel é coletivo, serve para gerar energia elétrica e é imprescindível na cadeia do petróleo. Ele pode ser mais democrático.

A melhor herança que ele deixou é a comprovação de que podemos chegar a volumes expressivos de produção e que com o aperfeiçoamento dos processos produtivos e o ganho de escala, o custo pode cair muito. Na década de 80, o metro cúbico custava cerca de US$ 700. Hoje, ele sai mais abaixo de US$ 200.

Os programas de incentivo ao agricultor para que ele se torne produtor de mamona estão chegando com mais força agora, enquanto as usinas já operam ou estão prestes a fazê-lo. O senhor acredita que a constituição da cadeia está equivocada?

A cadeia está desequilibrada. A política de produção do biodiesel tem de ser aperfeiçoada. O biodiesel vai muito além de apenas substituir o óleo diesel. Ele tem três missões básicas: uma ambiental, uma social e outra estratégica para o País.

Como que o biodiesel pode ajudar a reduzir os danos ao meio ambiente?

Se você considerar a cadeia produtiva do biodiesel, ele seqüestra mais gás carbônico do que emite. A mistura dele ao óleo reduz as emissões de fuligem, que é responsável por problemas como a tuberculose urbana. Em uma proporção de 25% de biodiesel, as emissões dos veículos chegam a zero.

E quanto às demais missões?

O mundo tem hoje 500 milhões de miseráveis no campo. A produção de biocombustíveis na zona rural tem toda a condição de eliminar essa miséria. E não há riscos de ameaça à soberania alinentar. A estrutura da fome no mundo é de demanda, e não de oferta. No dia que faltar alimento nas prateleiras no supermercado, aí sim poderão dizer que foi por culpa do biodiesel. Além do mais, não existe competição entre a produção de oleaginosas e a de alimentos. É possível consorciar a mamona com feijão, por exemplo. Ele é estratégico porque a humanidade vai entrar em um novo ciclo de desenvolvimento energético. E o Brasil tem todas as condições de despontar neste cenário.

Com as pesquisas já tão avançadas na agroenergia, o que falta para o consumo massivo?

É tudo uma questão de tempo. A natureza não dá saltos, nem a economia. A cadeia está sendo ordenada para tal.

Como o senhor avalia o processo de estruturação da cadeia produtiva do biodiesel?

O primeiro passo já foi dado. O presidente Lula é um entusiasta do programa, que está bem fundamentado, mas ainda precisa de especificidades regionais. O Brasil é um país de dimensões continentais, e cada região tem uma vocação distinta. No Nordeste, a grande motivação para a produção é o combate à miséria, com culturas que podem prosperar no nosso solo, no nosso clima...

Como o senhor vê a interação destes cultivos com a agricultura familiar?

O envolvimentos dos agricultores familiares casa com a motivação de combate à miséria. Mas há um desequilíbrio no estabelecimento do preço pago ao produtor. Ele tem de sair do homem para a bomba e não do posto para o homem, como ocorre hoje. O grande erro é estabelecer um custo desejado na bomba e fazer a regressão para saber quanto poderá ser pago ao pequeno produtor rural, sem partir de quanto ele é capaz de produzir e de quanto ele precisa ganhar para ter inclusão social.

Por outro lado, com o predomínio da agricultura familiar no sequeiro, há uma grande vulnerabilidade ao clima...

A mamona tem demonstrado ser bastante resistente à seca. Se não der mamona, não terá dado nem milho nem feijão, repetindo a situação problemática no campo. Sem chuvas, a produção vai diminuir, mas nunca chega a zerar. Pelo instinto de sobrevivência do sertanejo, a tendência é o plantio consorciado.

O preço mínimo assegurado hoje é injusto?

Estamos acumulando perdas para o produtor rural. O quilo de mamona deveria ser comercializado a pelo menos R$ 1, o que elevaria o preço do diesel para R$ 3. Será que isso impactaria na bomba? Como a mistura é de apenas 2%, a diferença no B2 ficaria na casa dos centavos. E seria resolvido um problema sério, da miséria do campo. Em caso de qualquer conflito no Oriente Médio, o impacto nos preços dos combustíveis é muito maior do que isso.

O preço abaixo do ideal é o que impede a adesão ao programa?

Certamente. Falta o estímulo do preço para assegurar o atendimento às usinas que vão operar. No curto-prazo, por dois ou três anos, não haverá produção para atender às usinas, que, sem o preço adequado pago pela baga, não vão poder operar.

O mercado energético tem uma grande vantagem que é a pequena vulnerabilidade de preço em função de grandes produções. Com os alimentos, se a safra for muito boa, o preço despenca e há risco de prejuízo. Já no fornecimento agroenergético, produzir mil ou dez mil toneladas não impacta no preço porque os volumes são enormes. É uma fuga do ciclo vicioso da oferta e da demanda, que, no Nordeste, chega a retirar 50% da renda agrícola. Esta é uma oportunidade de eliminar isso.

O cronograma de adição do biodiesel ao óleo diesel está correndo no ritmo adequado?

Acho que o B5 (proporção de 5% de biodiesel) vai ser antecipado. Se houver coerência neste aperfeiçoamento da cadeia, ele deve ser utilizado já em 2009, e o Brasil terá condições para partir para exportar. Existe uma avidez grande por combustíveis limpos na Europa. A África é nossa concorrente possível, mas perde competitividade por ainda não tem um agroindústria forte constituída, e uma estrutura muito emperrada.

LEÔNIDAS ALBUQUERQUE
Repórter

FIQUE POR DENTRO

Três décadas de pesquisa

O início da pesquisa que culminou na criação do biodiesel a partir de sementes oleaginosas começou nos anos 70, quando Expedito Parente se dedicava, na Universidade Federal do Ceará, a pesquisas relacionadas à produção de álcool, então em voga, também por questões políticas e econômicas, como a grande alternativa à gasolina, em meio a uma grave crise internacional do petróleo. O pesquisador cearense já procurava utilizar matérias-primas diferentes, como mandioca e madeira, para a produção de álcool.

A idéia de utilizar sementes oleaginosas só veio em 1977, quando, ao observar o fruto do ingá, de semente oleaginosa, deu-se conta da possibilidade de trabalhar com o óleo de algodão e o metanol no que viria a ser a tecnologia do biodiesel. Os resultados estimularam a continuidade da pesquisa e a solicitação de registro de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, apresentada em 1980. Hoje, a Tecbio, empresa criada por ele em 1999, quando foi criado um protótipo de usina produtora do combustível, trabalha também na criação do bioquerosene, a ser usado como combustível para aeronaves.

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