04/09/08 - Criado há mais de 30 anos, o Pró-álcool, depois de muita instabilidade, transformou-se em uma das alternativas mais viáveis de produção de energia do mundo. O desenvolvimento tecnológico e a alta produtividade das lavouras de cana-de-açúcar têm garantido ao etanol espaço de destaque nas discussões sobre energias limpas. Da mesma forma, o produto já foi acusado de provocar a crise de alimentos no mundo todo, já que em alguns países o etanol é produzido a partir do milho. Para combater esse preconceito, governo e produtores têm investido na exportação de tecnologia e equipamentos, demonstrando que o etanol de cana-de-açúcar é um combustível que poderá, em algum momento, substituir os derivados de petróleo.
Na esteira desse movimento, está o programa de biodiesel, mas com várias ressalvas. A principal delas é a falta de investimento em pesquisas para se determinar a matéria-prima ideal para produzir o biodiesel. Segundo o presidente executivo da União dos Produtores de Bioenergia, Antonio Cesar Salibe, o governo federal precisa centralizar esses estudos a fim de dar ao biodiesel as mesmas oportunidades que foram dadas ao etanol, tornando-o um produto apto à economia de mercado.
Para falar sobre o tema, Salibe concedeu entrevista ao programa Panorama do Brasil, apresentado por Roberto Müller e que irá ao ar hoje pela TVB. Participam também da entrevista, a diretora de redação do DCI, Márcia Raposo, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM.
Roberto Müller: É impressão nossa ou parece que o governo brasileiro está patinando na questão do biodiesel? O etanol já está consagrado, mas o biodiesel ainda está sem um rumo certo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando abordou o biodiesel, falou sobre a mamona, agora já ficou claro que a sua utilização é inviável, por ser muito viscosa. Sobrou, basicamente, a soja e o sebo animal... É isso mesmo que está acontecendo?
Antonio Cesar Salibe: O programa do etanol também "patinou" no seu inicio e teve uma série de problemas. O que nós acreditamos é que o governo federal deveria aproveitar a experiência do programa do etanol para não cometer os mesmo erros. Na década de 70, quando foi criado o Pró-álcool, eram produzidos 3.600 litros de etanol por hectare, a produtividade agrícola era de 60 toneladas de cana por hectare e o rendimento industrial era de 60 litros de etanol por tonelada de cana moída. Hoje, graças à tecnologia e aos estudos e pesquisas, são produzimos 7.500 a 8.000 litros de etanol por hectares, um crescimento de 50% tanto da produtividade agrícola quanto da produtividade industrial. Isso foi fruto de muita pesquisa. Para que o biodiesel não demanda outros 30 anos para alcançar alta produtividade, é preciso investir intensamente em pesquisa. Se você perguntar, hoje, qual a melhor oleaginosa usada para produzir biodiesel, eu não tenho certeza da resposta. Nós não temos uma tecnologia pronta para dizer qual é a melhor oleaginosa em termos técnicos, não em termos comerciais. Ainda não se sabe se é soja ou pinhão-manso, que surgiu como um dos candidatos a matéria-prima. No entanto, não há tecnologia desenvolvida para pinhão-manso e, para tanto, levaríamos de três a cinco anos para desenvolvê-la. Acredito que o governo precisaria criar um programa de tecnologia e desenvolvimento para que a gente tivesse um espaço muito mais curto que os 30 anos consumidos pelo etanol. Além disso, é preciso pensar no biodiesel em uma economia de mercado, uma vez que esse produto é muito mais caro que o diesel. Então, o governo precisa criar um programa economicamente viável, que crie vantagens comerciais. Ele não pode ser apenas um programa social, completamente subsidiado pelo governo. Em larga escala quem vai pagar pelo seu custo? É um problema sério.
Milton Paes: Como seria isso?
Antonio Cesar Salibe: Hoje, para se produzir biodiesel, o produtor escolhe a sua matéria-prima e vende o produto final no mercado livre, sendo que o custo foi de R$ 2,80 a R$ 3 reais o litro. Esse produto concorre com o diesel a pouco mais de R$ 1. A exportação torna-se muito difícil. O governo federal criou um selo social que para ser obtido obriga o produtor a comprar um percentual de sua matéria-prima de pequenos produtores e de cooperativas. Se a matéria-prima escolhida por sebo, como fazer? Só há sebo em quantidade suficiente em grandes frigoríficos. No caso da cana-de-açúcar, há cerca uma média de 15% a 20% por ano de área de plantio que precisa ficar em "reforma", ou seja, o solo tem que descansar para se recuperar. Nessa área, poderia ser plantada uma leguminosa utilizada para encorpar o solo e produzir biodiesel. Em toda área nessa situação poderia ser produzido 1 milhão de litros de biodiesel, que é quase tudo o que o governo do país precisa.
Márcia Raposo: Você quer dizer usar a matéria-prima do biodiesel como descanso da terra de outras culturas?
Antonio Cesar Salibe: Exatamente. E sem ocupar mais terra nenhuma brasileira. Só que o usineiro não pode fazer isso porque ele não tem o selo social e não pode entrar no leilão, que paga, normalmente, R$ 42,77. Mas só quem possui o selo social pode participar. Então, o governo precisa permitir que todos participem do leilão. O que poderia ser feito é dar um incentivo a mais para quem tiver o selo como dedução de 10% ou 20% em algum imposto. Eu acho que essa que seria a idéia para viabilizar o biodiesel no Brasil.
Roberto Müller: Já ficou demonstrado para o mundo que essa história de que o etanol produzido por cana-de-açúcar substitui a plantação de alimentos é uma falácia, ao contrário do milho. Esse, sim, encarece o preço do milho e ajuda a fomentar essa crise de alimentos que o mundo está vivendo. No entanto, no caso do biodiesel é mais complicada, já que se a matéria-prima escolhida for a soja, de fato poderemos estar tirando soja da mesa das pessoas. Que alternativas teríamos?
Antonio Cesar Salibe: A gente acredita que o biodiesel tenha que ser produzido de sebo e de pinhão-manso, só que nós não temos uma tecnologia para pinhão-manso, por isso insistimos que o governo teria que ter um programa sério de investimento em pesquisa de tecnologia e desenvolvimento.
Roberto Müller: Tem que usar a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] ou tem que usar um órgão novo?
Antonio Cesar Salibe: Não precisaria criar um órgão novo. A Embrapa poderia fazer isso, já que é uma ótima empresa de pesquisa, com capacidade e excelentes profissionais, só que precisa de recursos financeiros para um programa específico para essa matéria-prima.
Roberto Müller: Não existe isso?
Antonio Cesar Salibe: Eu desconheço. Não vou dizer que não exista.
Roberto Müller: Bom, se o presidente executivo da União dos Produtores de Bioenergia desconhece é porque não tem... [risos]
Antonio Cesar Salibe: Eu acredito que o governo já esteja se preparando para resolver essa questão já que o programa de biodiesel é importante para o presidente da República. Hoje, o mundo está precisando de alimento. Oleaginosas que competem com alimentos seriam problemáticas, mas eu acredito que o governo resolva essa questão.
Roberto Müller: Onde é que cresce pinhão-manso?
Antonio Cesar Salibe: Ele nasce no Brasil inteiro, só que é uma cultura importada e se der alguma praga ou doença, ainda não há tecnologia para combater. Então, precisaria desenvolver uma pesquisa para desvendar toda a cultura e suas variedades. A cana-de-açúcar, por exemplo, possui uma série de variedades, controle biológico através de inimigos naturais, que não agride o meio ambiente. Para o pinhão-manso é necessário toda essa pesquisa. Para a cana-de-açúcar, existem, atualmente, pelo menos, três grande centros de pesquisa intensiva, desenvolvendo novas variedades, estudos de utilização do bagaço para produção de bioeletricidade, entre outros. O pecuarista diz que, do boi, se aproveita tudo menos o berro. Da cana-de-açúcar é a mesma coisa: se aproveita tudo mesmo.
Márcia Raposo: Há um fator muito importante também no comércio de biodiesel que é o monopólio da Petrobras como grande compradora. O DCI tem feito muitas matérias com grandes produtores de biodiesel no país reclamando que estão com os estoques muito altos, que já venderam no leilão, mas que a Petrobras ainda não foi buscar. Enfim, a Petrobrás tem seus planos. Comercialmente, ela agora está envolvida com a maior bacia de petróleo que o planeta já conheceu, localizada na camada pré-sal. O fator comercial do biodiesel também não é um problema?
Antonio Cesar Salibe: Hoje, ainda não é um grande problema porque a Petrobras está pagando a conta do biodiesel. O setor sucroalcooleiro, em um determinado momento, também passou por essa dificuldade, mas quando passamos a ter um custo abaixo do nosso produto final, pudemos entrar em uma economia de mercado. Acredito que vivemos um momento que a Petrobrás ainda é importante, administrando o setor. Mas vai chegar um momento em que estaremos produzindo o biodiesel em um custo abaixo do produto final e que devemos ter economia de mercado como temos com o sucroalcooleiro. Lembrando que ele só se desenvolveu e cresceu quando saiu debaixo das asas do governo.
Roberto Müller: O setor sucroalcooleiro está disposto a investir junto com o governo no fomento à pesquisa?
Antonio Cesar Salibe: Na realidade, são duas histórias um pouco diferentes. O etanol contou com uma estrutura montada para desenvolver o açúcar e o álcool, como resultado de investimentos no estudo da cana-de-açúcar. Já o biodiesel precisa de pesquisas exclusivamente para o seu estudo.
Roberto Müller: Nas pesquisas de ponta em biotecnologia, há a participação de grandes empresas, como a Votorantim e a Odebrecht, em programas de estudo sobre a cana-de-açúcar. Isso se reproduz com o biodiesel?
Antonio Cesar Salibe: Existem, hoje, empresas privadas que produzem biodiesel e fazem pesquisas, mas acreditamos que o governo precisa centralizar os estudos e a divulgação dos resultados para o desenvolvimento do setor como um todo. Tem que se criar um centro nacional de pesquisa.
Roberto Müller: Vamos supor que houvesse uma proposta do governo federal para o setor privado no sentido de desenvolver um trabalho conjunto e cada um entra com uma parte. O setor privado aceitaria uma proposta nesse sentido?
Antonio Cesar Salibe: Precisaríamos avaliar essa proposta, quem entraria com o que, e como nós conduziríamos essa pesquisa. Acho que tudo é viável e passível de ser estudado.
Márcia Raposo: As grandes descobertas da Petrobras na camada pré-sal e os investimentos necessário para a sua exploração não poderão se tornar concorrentes do programa de biodiesel?
Antonio Cesar Salibe: Nós temos de analisar vários fatores. Primeiro, é que estamos discutindo uma energia renovável com uma energia fóssil, uma energia que nós achamos que tem, que tem que desenvolver ainda uma tecnologia para retirar, que demora pra ser retirado. Então, nós estamos discutindo um produto com uma vida útil limitada contra um produto que é renovável. Em segundo lugar, estamos discutindo uma energia poluente com uma energia não-poluente. Em terceiro lugar, estamos discutindo uma energia que vai melhorar a qualidade de vida do mundo contra uma energia que, até hoje, só gerou guerras e competições e uma série de problemas. Então, eu acho que é difícil comparar petróleo com biodiesel ou etanol porque eles vão sempre levar vantagem por serem uma energia renovável e limpa.
Fonte: - Laelya Longo e Julia Aronchi - 25/08
Da Agência
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
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