Sonia Terezinha Juliatto Tinoco
1. Definições
Segundo GONÇALVES e SOUZA (2005), na legislação brasileira, a definição de propriedade familiar consta no inciso II do artigo 4º do Estatuto da Terra, estabelecido pela Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964, com a seguinte redação: “propriedade familiar : o imóvel que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros” e na definição da área máxima, a lei nº 8629, de 25 de fevereiro de 1993, estabelece como pequena os imóveis rurais com até 4 módulos fiscais e, como média propriedade, aqueles entre 4 e 15 módulos fiscais.
O programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF enquadra os produtores rurais como beneficiários de linhas de crédito rural quando atendem aos seguintes requisitos: sejam proprietários, posseiros, arrendatários, parceiros ou concessionários da Reforma Agrária; residam na propriedade ou em local próximo; detenham, sob qualquer forma, no máximo 4 (quatro) módulos fiscais de terra, quantificados conforme a legislação em vigor, ou no máximo 6 (seis) módulos quando tratar-se de pecuarista familiar; com 80% da renda bruta anual familiar advinda da exploração agropecuária ou não agropecuária do estabelecimento e mantenham até 2 (dois) empregados permanentes – sendo admitida a ajuda eventual de terceiros.
BITTENCOURT e BIANCHINI (1996), em um estudo feito na região sul do Brasil adotam a seguinte definição “Agricultor familiar é todo aquele (a) agricultor (a) que tem na agricultura sua principal fonte de renda (+ 80%) e que a base da força de trabalho utilizada no estabelecimento seja desenvolvida por membros da família. É permitido o emprego de terceiros temporariamente, quando a atividade agrícola assim necessitar. Em caso de contratação de força de trabalho permanente externo à família, a mão-de-obra familiar deve ser igual ou superior a 75% do total utilizado no estabelecimento.”
CARMO (1999), abordando o perfil da agricultura brasileira, se refere à agricultura familiar como forma de organização produtiva em que os critérios adotados para orientar as decisões relativas à exploração agrícola não se subordinam unicamente pelo ângulo da produção / rentabilidade econômica, mas leva em consideração também as necessidades e objetivos da família. Contrariando o modelo patronal, no qual há completa separação entre gestão e trabalho, no modelo familiar estes fatores estão intimamente relacionados.
GUANZIROLI e CARDIM (2000), definem como agricultores familiares aqueles que atendem às seguintes condições: a direção dos trabalhos no estabelecimento é exercida pelo produtor e família; a mão-de-obra familiar é superior ao trabalho contratado, a área da propriedade está dentro de um limite estabelecido para cada região do país (no caso da região sudeste, a área máxima por estabelecimento familiar foi de 384 ha).
Assim, a maioria das definições de agricultura familiar adotadas em trabalhos recentes sobre o tema, baseia-se na mão-de-obra utilizada, no tamanho da propriedade, na direção dos trabalhos e na renda gerada pela atividade agrícola. Em todas há um ponto em comum: ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, a família assume o trabalho no estabelecimento.
2. Caracterização
BUAINAIM e ROMEIRO (2000), afirmam que a agricultura familiar desenvolve, em geral, sistemas complexos de produção, combinando várias culturas, criações animais e transformações primárias, tanto para o consumo da família como para o mercado. Baseados em amplo estudo sobre sistemas de produção familiares no Brasil, afirmam que os produtores familiares apresentam freqüentemente as seguintes características:
► “Diversificação”:Quanto maior a diversificação dos sistemas, menores os riscos a que os produtores se expõem, sendo que os autores verificaram essa diversificação na maior parte dos estabelecimentos familiares estudados
► “A Estratégia de Investimento Progressivo”: A maior parte das estratégias de “acumulação” e de aumento de produtividade dos agricultores familiares está baseada em pequenos volumes de capital, que podem ser acumulados de forma progressiva (cabeças de gado acumulados ao longo dos anos, equipamentos de irrigação adquiridos progressivamente, máquinas e implementos usados, etc).
► “A Combinação de Subsistemas Intensivos e Extensivos”: Os produtores familiares adotam em geral sistemas que conjugam atividades intensivas em trabalho e terra, com atividades mais extensivas. Quanto maior a disponibilidade de área, maior a participação de sistemas extensivos (cana, pecuária de corte, citricultura). Nestes casos, a prioridade do produtor é introduzir sistemas que garantam uma boa produtividade do trabalho, mesmo que com baixa rentabilidade por unidade de área. Ao contrário, quanto menor a disponibilidade de área, maior a importância relativa dos cultivos altamente exigentes em mão-de-obra e altamente intensivos no uso do solo (horticultura irrigada e fruticultura). Nessa situação, a estratégia é gerar a maior renda possível por ha, mesmo que a produtividade do trabalho das produções não seja das mais elevadas.
► “Uma Grande Capacidade de Adaptação” Os agricultores familiares tem grande capacidade de adaptação a ambientes em rápida transformação, seja devido à crise de produtos tradicionais, emergência de novos mercados e ou mudanças mais gerais da situação econômica do país. Outra característica cada vez mais presente na agricultura familiar brasileira é a ”pluriatividade”.
SCHNEIDER (2003), cita a seguinte definição do termo, feita por FULLER (1990): “A pluriatividade permite reconceituar a propriedade como uma unidade de produção e reprodução, não exclusivamente baseada em atividades agrícolas. As propriedades pluriativas são unidades que alocam o trabalho em diferentes atividades, além da agricultura familiar. [....] . A pluriatividade, portanto, refere-se a uma unidade produtiva multidimensional, onde se pratica a agricultura e outras atividades, tanto dentro como fora da propriedade, pelas quais são recebidos diferentes tipos de remuneração e receitas ( rendimentos, rendas em espécies e transferências)”. O autor afirma que na agricultura familiar, a combinação entre a mão-de-obra familiar agrícola e não-agrícola está relacionada à manutenção do estabelecimento agrícola assegurando sua reprodução socioeconômica. O trabalho agrícola e não-agrícola exercidos de forma complementar pelos membros da família que residem na propriedade, freqüentemente se deve à pouca disponibilidade de terra e às dificuldades de modernização tecnológica, o que compromete sua renda, obrigando essas pequenas unidades a buscar uma alternativa complementar de renda.
Mas não se trata somente da reprodução da família, pois segundo WANDERLEY (1995), o trabalho externo se torna, na maioria dos casos, uma necessidade estrutural, isto é, a renda obtida nesse tipo de trabalho vem a ser indispensável para a reprodução não só da família como do próprio estabelecimento familiar. Assim, o trabalho extra-agrícola, realizado por membros residentes no estabelecimento agrícola familiar, tem duas funções sociais: a primeira função é de complementar a renda da família e a segunda diz respeito à permanência dessas famílias no meio rural, ou seja, garantir a propriedade do bem rural.
Segundo SCHNEIDER (1999), além das estratégias de ocupar a mão-de-obra familiar em atividades agrícolas e não-agrícolas, os agricultores familiares freqüentemente conciliam a mão-de-obra familiar com a contratada (temporária ou permanente) nas atividades produtivas dentro das propriedades, quando há carência de mão-de-obra familiar, sendo que isso geralmente ocorre em casos como quando os filhos não estão em idade de participar das atividades agrícolas, a mão-de-obra familiar já perdeu seu potencial produtivo (predominância de idosos) e quando a propriedade pratica atividade produtiva altamente intensiva em mão-de-obra.
O mesmo autor afirma que a composição das estratégias da Agricultura Familiar depende de aspectos importantes que compõem o meio no qual os agricultores familiares estão inseridos. Assim, ao se definir a agricultura familiar contemporânea, deve-se levar em conta todas as formas que essa categoria social apresenta, seja ela baseada no trabalho familiar não-agrícola (pluriatividade) ou com a participação do trabalho assalariado, mas que a essência da mão-de-obra familiar (agrícola ou não-agrícola) seja preservada.
VEIGA et al. (2001) ressaltam a importância da presença da agricultura familiar no meio rural brasileiro, visto que uma região rural terá um futuro tanto mais dinâmico quanto maior for a capacidade de diversificação da economia local impulsionada pelas características de sua agricultura.
Ainda segundo os autores, as economias rurais mais dinâmicas são as que simultaneamente conseguem atrair consumidores de seus atributos territoriais e vender suas produções em mercados diferenciados. Já as economias especializadas em commodities agrícolas, podem até dar a impressão de grande dinamismo em sua fase inicial, quando sugam a renda diferencial propiciada pela exploração da fertilidade natural; só que depois dessa acumulação primitiva tudo passa a depender do grau de diversificação dos negócios criados no entorno dessa fonte primária.
OLIVEIRA (2000), evidenciou as vantagens da produção familiar como espaço ideal e privilegiado para consolidação de uma agricultura de base sustentável: “A lógica de funcionamento das explorações familiares, baseada na associação dos objetivos de produção, consumo e acumulação patrimonial, resulta num espaço de reprodução social cujas características de diversidade e integração de atividades produtivas vegetais e animais, ocupação de força de trabalho dos membros da família e controle decisório sobre todo o processo produtivo são sensivelmente mais vantajosos ao desenvolvimento de uma agricultura ambientalmente sustentável que as explorações capitalistas patronais”.
CARMO e SALLES (1998), discutem em seu trabalho, sobre a produção agropecuária em bases familiares e a evolução tecnológica apoiada no paradigma da sustentabilidade. Acreditam que as críticas que existiam a respeito da baixa adoção de tecnologias pelos produtores familiares, hoje têm sido revistas no sentido de que nem todas as propostas tecnológicas estão adaptadas às reais necessidades desses produtores.
Os mesmos autores afirmam que uma exploração familiar passa necessariamente pela família como elemento básico de gestão financeira e do trabalho total disponível internamente na unidade do conjunto familiar. As avaliações não podem ser simplesmente econômicas para entender as relações entre a organização interna da produção em bases familiares e o mundo externo, consubstanciado no processo de produção/reprodução/acumulação. Nesse sentido, as decisões sobre a renda líquida obtida com a venda da produção, fruto do trabalho da família, pouco tem a ver com a categoria lucro “puro” de uma empresa, representado pela diferença entre renda bruta e custo total.
Em estudo realizado através da Cooperação Técnica INCRA/FAO GUANZIROLI e CARDIM (2000), com base nos dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1995/96, verificaram que quando se calculou a Renda Total por hectare, a agricultura familiar mostrava-se muito mais eficiente que a patronal, produzindo uma média de R$104,00/ha/ano contra apenas R$44,00/ha/ano dos agricultores patronais. Segundo os autores, essa constatação refere-se ao rendimento do fator terra, em cujo uso os agricultores familiares revelaram-se mais eficientes, utilizando uma proporção maior de sua área em sistemas intensivos, tentando aproveitar ao máximo sua área total, isso porque a terra é um fator limitante para ele, e por isso tem que intensificar seu uso. Os patronais, pelo contrário, têm terra abundante, e por este motivo a tendência é a utilização da melhor parte de sua terra com um sistema intensivo, no qual ele vai ter provavelmente maior eficiência técnica e vai destinar o restante da área a um sistema mais extensivo.
Quando a eficiência é medida em relação ao uso do fator trabalho, os patronais fazem um uso mais intensivo, já que esse é um fator escasso para essa categoria., e os familiares fazem um uso mais extensivo, já que possuem muita gente da família sub empregada , e precisam alocá-la nos trabalhos agrícolas.
VEIGA et al. (2001), informam que nos sete censos agropecuários realizados no Brasil desde 1950, a participação dos agricultores que têm menos de 100 hectares nunca se distanciou de 90% do total de estabelecimentos, e sempre lhes coube 20% da área, o que indica uma permanência extremamente duradoura desses produtores de pequeno porte por toda a segunda metade do século. Essa permanência no cenário agrícola, apesar dos constantes desafios, mostra que esse segmento está em constante mudança, compondo estratégias de sobrevivência e reprodução, as quais dependem do meio no qual os agricultores familiares estão inseridos.
Bibliografia
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WANDERLEY, M.N.B. A agricultura familiar no Brasil: um espaço em construção. Reforma Agrária, Campinas, v.25, n. 2/3, p.37-47,1995.
* Parte da Tese “ANÁLISE SÓCIO-ECONÔMICA DA PISCICULTURA EM UNIDADES DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA FAMILIARES DA REGIÃO DE TUPÃ, SP”, apresentada pela Engenheira Agrônoma Sonia Terezinha Juliatto Tinoco, para obtenção do Título de Doutor em Aqüicultura, no Curso de Pós-Graduação em Aqüicultura do Centro de Aqüicultura da UNESP, Campus de Jaboticabal, em abril de 2006.
Origem: CATI - Dextru – Divisão de Extensão Rural - http://www.cati.sp.gov.br/
Sonia Terezinha Juliatto Tinoco é Eng. Agrônoma, Dra, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI - Dextru – Divisão de Extensão Rural
Contato: sonia@cati.sp.gov.br
Dados para citação bibliográfica(ABNT):
TINOCO, S.T.J. Conceituação de agricultura familiar: uma revisão bibliográfica. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_4/AgricFamiliar/index.htm>. Acesso em: 13/11/2008.
Fonte: Infobibos - Informações Tecnológicas