sexta-feira, 18 de julho de 2008

A farsa do biocombustível da Brasil Ecodiesel no Piauí

Em março de 2004, quando o presidente Luís Inácio Lula da Silva anunciou à nação brasileira, direto da Fazenda Santa Clara, no município de Canto do Buriti, a 400 quilômetros de Teresina, que o Brasil estava dando o primeiro passo para a substituição dos combustíveis fósseis por um combustível limpo, o biocombustível, produzido a partir da mamona, pela empresa Brasil Ecodiesel, talvez não imaginasse que, por trás da encenação, havia uma série de irregularidades.

Quatro anos depois do circo armado para o espetáculo governamental, a cortina veio abaixo e revelou uma realidade onde os principais protagonistas dessa história, os trabalhadores rurais, se consideram usados e enganados pela Brasil Ecodiesel, “Viramos refém dessa empresa", disse o trabalhador rural F.R. que autorizou somente a publicação de suas iniciais.

Ele se referia à dependência financeira e às más condições de trabalho que as mais de 600 famílias contratadas pelo projeto têm para com a Brasil Ecodiesel desde que assinaram o contrato, no início do projeto. A cada família foram destinados sete hectares, cinco para o plantio de mamona e dois para feijão. Do total da produção da mamona 30% é para a empresa e os 70% que sobram é destinado a cobrir o adiantamento de safra que atualmente é de R$ 160 reais que recebem por mês. O valor correspondente a três mil quilos de mamona por safra. Dessa maneira, não há como o trabalhador obter lucro, uma vez que para cobrir os custos da produção, teria que produzir 4.500 quilos nos cinco hectares. Ocorre que por uma série de problemas de ordem técnicas relacionadas à baixa fertilidade do solo, qualidade da semente, entre outros, no máximo estão conseguindo produzir 300 quilos por hectares. Em algumas áreas, a colheita não passa de 100 quilos por hectares.

Quanto ao feijão, cada família é obrigada a destinar 30% do que produz para a empresa. Ainda como parte do contrato, existe a entrega de uma cesta básica no valor de R$ 100 reais. Segundo o colono, Neto Hipólito, a cesta básica repassada não passa do valor de R$ 30 reais e, além de pífia, ainda atrasa quase todos os meses.

Estas irregularidades têm criado uma insatisfação generalizada na fazenda. Muitos já abandonaram o projeto porque temem que, mais cedo ou mais tarde, sejam obrigados a saírem da área, e, para piorar, ainda endividados. Mesmo a Brasil Ecodiesel acumulando prejuízos com o projeto de biocombustível, na unidade de produção do biocombustível, localizada em Floriano, a 240 quilômetros da capital, a empresa assegura que produz 40 mil litros por dia.

O que se questiona é: de onde está vindo à matéria prima?

Pelos cálculos de Neto Hipólito, a fazenda tem uma despesa mensal de RS 500 mil. "A gente não sabe de onde vem esse dinheiro, se vem do governo ou da própria empresa, aliás, por aqui ninguém sabe nada sobre esse projeto, se existe um dono e quem é ele. A gente só vê os encarregados, que por sinal estão sempre mudando. Também continuam depositando os R$ 160 reais da parceria", relata.

Para se ter uma idéia da estranheza do projeto, por enquanto, o plantio de mamona da próxima safra, que deveria ter iniciado em outubro, até agora não aconteceu. "Começamos a plantar dai veio uma praga de lagarta e destruiu tudo, agora não sabemos quando vai recomeçar", contou um dos parceiros do projeto, o trabalhador rural Pedro Cosme da Silva, 34 anos.

Cosme disse ainda que pelo andar da carruagem a empresa não tem pressa, pois dos oito tratores ali existentes cinco foram levados para uma outra fazenda, que dizem ser da mesma empresa. "A preocupação é que ocorra o mesmo que aconteceu na safra passada quando o plantio foi feito fora de hora, acarretando uma produção mínima", disse.

Trabalho Infantil é de comover qualquer insensível

Nas 20 células, denominação dada pela Brasil Ecodiesel para as áreas onde foram construídas 35 casas, a insegurança e insatisfação é a mesma. Famílias se queixam de estarem passando necessidades. Para completar a renda muitas delas colocam as crianças para tapar buracos na BR-324 e ganharem trocados dos motoristas. Durante nossa passagem pelas proximidades das células, encontramos inúmeras crianças com idade entre seis a treze anos, labutando com uma enxada preenchendo infinidades de buracos no que resta de asfalto. Uma dela, T.C., seis anos, comove até aos mais insensíveis devido a magreza e pele muito clara. A criança passa o dia inteiro exposta ao sol e o seu rosto descascado e tomado por sardas é a prova do sofrimento que vimos também através de seus olhinhos infantis. Segundo ela, logo cedo tem que ir para a estrada conseguir uns trocados que são entregues a mãe para ajudar nas despesas da casa.

Um pouco mais adiante nos deparamos com os irmãos D.P., 10 anos, e A.P., nove anos. Eles contaram que passam o dia inteiro tapando buracos e ganham até 20 reais ao dia. "Às vezes a gente só consegue R$ 10 ou menos que isso. O bom é que mesmo sendo pouco a gente sempre ganha", contou D.P., um menino que se mostrou bem educado e inteligente. Ele disse também que com o dinheiro que ganham ajuda a comprar o que comer. "Nossos pais não queriam isso pra gente, mais é o jeito vir pra estrada se não a gente passa fome", completou. Quis saber como fazem para se alimentar e tomar água e D.P. contou que um outro irmão menor leva comida e água.

Já duas adolescentes, com idade entre 13 e 14 anos, que se encontravam na mesma situação resistiram conversar com nossa equipe. Depois de muita insistência as garotas revelaram que pedem dinheiro para comprar roupas. Sobre o perigo de serem molestadas por motoristas inescrupulosos, elas não responderam mais demonstram pelo comportamento que o perigo é uma constante. Já em conversa com os adultos, soubemos da ocorrência de prostituição infantil nas imediações da fazenda.

Produção de Carvão

A área total do projeto para produção de mamona é de 40 mil hectares. Desse total, somente três mil já deveriam ser utilizados para o plantio da monocultura, mas, todo o restante já foi praticamente desmatado para a produção de carvão vegetal. No interior da fazenda estão instalados cinco grandes fornos industriais, os mais modernos que existem e que são controlados por computadores.

Os homens que localizamos ensacando carvão próximo às fornalhas nada sabiam informar sobre a produção. Segundo eles, atualmente a lenha retirada da mata nativa está sendo levada para a Fazenda Canto do Buriti, aonde hoje vem sendo produzido carvão. Eles disseram ainda que os encarregados falaram que a atividade vai retornar em breve. Já o superintendente do Ibama no Piauí, Romildo Mafra, disse que apesar dos fornos, a fazenda Santa Clara não poderião estar produzindo carvão. "Eles não têm o DOF-Documento de Origem Florestal, portanto, não podem fazer carvão", afirmou.

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