MÁRCIO MELLO
Presidente da Associação Brasileira de Geólogos do Petróleo e consultor da HRT Petroleum
A independência está garantida, diz geólogo. Mas a descoberta não faz do País uma nova Venezuela
Pedro Doria
A descoberta do Campo de Tupi, essa gigantesca reserva de petróleo anunciada na quinta-feira pela Petrobrás, é a maior da história petrolífera do Brasil. Mas, apesar de ela ter valido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o apelido de “magnata petroleiro”, cunhado pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, não quer dizer que o País tenha virado superpotência do ramo. Pelo menos não segundo a avaliação de Márcio Mello, presidente da Associação Brasileira de Geólogos do Petróleo e sócio da empresa de consultoria HRT Petroleum.
“O tamanho das reservas de países como os do Oriente Médio ou da própria Venezuela são imbatíveis”, diz ele. Mas o Brasil é rico, sim. Nas contas de Mello, o total de reservas chegará fácil a 50 bilhões de barris e os técnicos já sabem exatamente onde eles se encontram: é no Atlântico, entre o sul de Santos e o norte do Espírito Santo, além de uma camada impermeável de sal, debaixo de uma gigantesca rocha batizada de Lagoa Feia, a 6 quilômetros de profundidade. Como, até a semana passada, o tamanho oficial das reservas brasileiras era de apenas 14 bilhões de barris, trata-se de um incremento e tanto.
Mas o País cresce. E nos próximos anos deverá ter um consumo diário de 3 milhões de barris - ou seja, consumirá quase tudo que produz. Se é assim, por que a Petrobrás demorou tanto a ir onde estava a maior parte do petróleo brasileiro - em águas profundas - já que os indícios eram quase evidências? “Porque por longo tempo predominou na empresa a idéia de que esse tipo de prospecção era jogar dinheiro fora. Foram anos para quebrar um paradigma”, diz Mello. Agora, garante o geólogo, a missão está clara: “É preciso perfurar, perfurar, perfurar”.
O anúncio de uma reserva gigantesca de petróleo na Bacia de Santos é uma surpresa?
Já era possível prever há pelo menos seis anos esse potencial fantástico que temos em águas profundas e ultraprofundas do Brasil, abaixo da camada de sal. Era uma previsão tranqüila de fazer. Mas não quer dizer que a descoberta seja pequena: essa é a maior novidade que surge no mundo petrolífero nos últimos 20 anos e é a maior descoberta da história do petróleo no Brasil.
Essas reservas se limitam a Santos?
De forma alguma. Nós já sabemos que há petróleo embaixo da camada de sal nas áreas de Roncador e Marlim, que ficam na Bacia de Campos. A Petrobrás já descobriu uma reserva de 600 milhões de barris abaixo do sal no Espírito Santo, descobriu abaixo de Marlim um campo pequeno com 300 milhões de barris, e vai descobrindo outros. Ainda vai se achar muito, mas muito petróleo mesmo no subsal entre Santos e o Espírito Santo.
Essa camada de sal existe em toda a costa brasileira?
Ela existe até Sergipe e Alagoas. Mas não é a camada de sal que determina a presença ou a quantidade de petróleo. O importante é o tipo de rocha que está debaixo do sal. Chamo essa região que vai desde o sul de Santos até o norte do Espírito Santo de a Grande Bacia de Campos. Sob toda essa área há uma camada batizada de Formação Lagoa Feia, que é uma rocha geradora de petróleo maravilhosa. Ela é que produziu todo esse petróleo que temos aí. Também há petróleo em Sergipe e na Bahia, mas a quantidade é muito menor porque a rocha que a produziu é outra, não tão prolífica.
Então já sabemos onde tem petróleo e quanto petróleo há na costa do Brasil?
Lógico. O problema é achar o local exato, e a Petrobrás achou, daí seu mérito. E vai achar muito mais. O Brasil tem, podemos dizer tranqüilamente, 50 bilhões de barris. Não resta a menor dúvida.
Com as novas reservas, o Brasil vai para a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, Opep?
Não. Nós consumimos hoje 1,8 milhão de barris por dia. Do jeito que o País está crescendo, vamos para algo entre 2,5 e 3 milhões nos próximos três ou quatro anos. A Petrobrás vai ter que se esforçar muito para conseguir manter essa produção. Daqui a oito anos, quando essa reserva que acabou de ser descoberta estiver em plena produção, o Campo de Marlim já estará decrescendo.
Não vamos virar exportadores?
Vamos. Mas teremos pouco para vender, o consumo interno é grande. Nunca seremos exportadores como a Venezuela, Arábia Saudita, Irã e Iraque.
Já é comum buscar petróleo a 6 quilômetros de profundidade?
Já, sim. Os EUA têm vários poços ultraprofundos. O problema não é a profundidade, mas sim calcular se faz sentido econômico. Com o petróleo a um preço alto no mercado internacional é bom negócio. Evidentemente, o solo brasileiro tem características diferentes do americano, então a tecnologia aplicada não é exatamente a mesma. Como nunca havíamos perfurado a essa profundidade, como não conhecíamos direito a composição da rocha que iríamos encontrar, o primeiro poço que cavamos custou US$ 170 milhões de dólares. O segundo já saiu por uns US$ 70 milhões. Quando chegarmos ao terceiro, vamos gastar U$ 40 milhões, no máximo US$ 50 milhões. É uma tecnologia dominada.
Por que o petróleo está tão caro?
A principal questão é uma enorme expectativa de crescimento econômico da Índia e da China. Ninguém cresce sem consumir petróleo e, assim, a demanda aumenta, mas a oferta permanece baixa. Em média, todo dia são descobertos 20 milhões de barris em algum ponto do mundo. Ora, num único dia, o mesmo planeta consome 83 milhões de barris. Se consome 83 milhões e as novas reservas só aumentam num ritmo de 20 milhões, a conta não fecha. Para piorar, em um ano e meio o consumo deve saltar para 120 milhões de barris ao dia. É por isso que fica a sensação de que haverá escassez no futuro, forçando o preço de US$ 40 para U$ 100 o barril, em 2007. Além disso, quem é do ramo já sabia que o petróleo chegaria a US$ 100, não por conta dessa paranóia, mas porque ele estava barato demais. O litro do petróleo chegou a sair por menos que o litro de água mineral. O que acontece é um ajuste para o preço real e não um aumento desproporcionado como muitos estão descrevendo.
Mesmo consumindo mais do que se descobre, há muitas reservas por surgir. O fim do petróleo ainda está longe?
Não resta a menor dúvida. O petróleo é uma fonte finita, só que ainda vai demorar muito para usarmos todo ele. O fim não virá em 30 ou 40 anos. Temos mais de um século de estoque pela frente. A questão-chave, aí, não é o tamanho das reservas mas sim o tempo que demora entre a descoberta de um novo campo e o início da produção. Mesmo que reservas inesperadas sejam encontradas no planeta, não será possível pôr no mercado a mesma quantidade de petróleo que é consumida. Veja, por exemplo, essa descoberta gigantesca que fizemos no Brasil: para que consigamos entrar em produção plena demora algo entre oito e dez anos.
Mas nesse meio tempo já não teremos formas alternativas de energia?
Impossível. Substituir petróleo e gás é impossível. Falam muito de hidrogênio, hoje. De onde tiram hidrogênio para mover carros? Do metano, derivado de petróleo.
E o etanol?
Você pode plantar o mundo todo com cana-de-açúcar e produzirá 8% do petróleo consumido no planeta. Biodiesel e etanol são modismos que não substituem o petróleo. Se plantarmos o Brasil inteiro produziremos 6% apenas do nosso consumo. E o petróleo não é só usado para mover carro. O mundo hoje gira em torno do petróleo. Oitenta por cento do que você tem no escritório é feito com petróleo.
Os proponentes da energia nuclear dizem que as usinas são muito mais seguras e eficientes, hoje.
É muito difícil o controle ambiental, de resíduos, principalmente quando é preciso gerar uma quantidade muito grande de energia.
Se o petróleo é finito, qual a saída?
Nos próximos 30 ou 40 anos não haverá alternativa que possa substituir o petróleo. Não dá para inundar mais grandes áreas para construir hidrelétricas, energia nuclear tem muitos problemas e o urânio está subindo de preço assustadoramente, os problemas ambientais causados pelo carvão são terríveis. Qual a energia que sobra? Petróleo e gás. Infelizmente é o que temos.
A região geológica das Bacias de Santos e Campos é a mesma da costa da África. Há petróleo por lá também?
Claro. Vai-se descobrir muito petróleo na costa de Angola. O Congo é uma região na qual muitas descobertas acontecerão, podemos esperar outras tantas na Namíbia. Mas, do tamanho desta brasileira, é muito difícil. Reservas petrolíferas desse tamanho, que chamamos de supergigantes, são muito raras. Desse porte, aqui no Brasil, podemos descobrir mais uma ou duas, no máximo.
Somando esse potencial de descobertas que estão para vir, é possível que a geografia do petróleo esteja mudando?
Não. As características geológicas do Oriente Médio são muito específicas. As da Venezuela, também. Nosso vizinho, aliás, tem mais petróleo do que a Arábia Saudita e continuará com posição de liderança. Seu único problema é que muito de seu petróleo é pesado, difícil de ser utilizado. Ganha em quantidade, mas não em qualidade. Existem quatro províncias gigantes no mundo que ainda não foram exploradas: o sul do Golfo do México, todo o litoral da Venezuela, que ainda não perfurou em águas profundas, e lugares inóspitos como Afeganistão e Sibéria. Por isso digo que o petróleo não vai acabar agora.
A exploração da área onde foi descoberta a nova reserva iria a leilão público este mês. Após o anúncio de que havia uma gigantesca reserva, no entanto, a ministra Dilma Roussef retirou-a da lista a ser leiloada. O governo argumenta que precisa reavaliar o valor, já que sabe que há petróleo lá.
Isso aí não é novidade para ninguém. Esse anúncio é simplesmente político. A BG, British Gas, anunciou essas reservas em Londres faz seis meses. Todo o mundo sabia disso. A Petrobrás, nós, todos sabemos que o subsal tem bilhões e bilhões de barris. Mas, veja bem, posso estar criticando sem saber as reais razões do governo. Penso como cientista, não como político. O governo pode dizer que deseja guardar essas reservas para explorar no futuro. Todos os países do mundo estão fazendo isso. Manter as reservas de petróleo é estratégico. Durante os próximos 40 anos, só crescerá quem tiver petróleo. Só argumento que, em cima da hora, não é bom suspender um leilão por conta da falta de transparência. Se sabemos que há bilhões de barris embaixo desta camada de sal, ficamos sem saber se a exploração será permitida ou não. O governo não está agindo de forma clara. Isso vai causar um estresse grande na comunidade internacional e no investimento das petroleiras no Brasil.
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domingo, 11 de novembro de 2007
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