domingo, 4 de fevereiro de 2007

A busca do combustível ideal: hidrogênio

A novidade em opções combustíveis automotoras na praça é o Siena 1.4 tetrafuel da Fiat que pode ser abastecido com gasolina contendo 20% a 25% de etanol (defaut nacional) ou etanol puro ou gás veicular ou gasolina pura (ainda não disponível nos postos de abastecimento). Lembremos o diesel em suas versões metropolitano, rodoviário e marítimo, que é o combustível de praxe dos caminhões e ônibus (também em carros de passeio na Europa e USA), além de navios, com o adendo de que milhares de estações de serviço já começam a vender diesel acrescido de 2% de biodiesel (derivado de óleos vegetais e de sebo bovino) por conta de mais de meia centena de plantas produtoras de biodiesel instaladas e em instalação no País em acordo ao que dispõe a Lei Federal 11.097/2005. Outra novidade é o H-Bio da Petrobras, uma espécie de diesel nobre (enriquecido em hidrocarbonetos do tipo cetano), derivado de óleos vegetais e gorduras através de um craqueamento especial e catalisado que envolve a remoção do oxigênio dos ácidos graxos. Mas a busca do engenho humano é o combustível ideal. Os acima geram na combustão anidrido carbônico (CO2), algum monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos não queimados e alguns poluentes mais sérios como óxidos de nitrogênio (NOx) além de hidrocarbonetos residuais mais tóxicos (caso do diesel com os PAHs - Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos, dentre os quais o carcinogênico alfa-pireno, sem contar a chuva ácida por conta dos compostos sulfurados). E este combustível ideal é o hidrogênio cuja queima limpa gera tão somente água: H2 + 1/2 O2 -: H2O

Vários projetos de países desenvolvidos oferecem a opção de abastecimento de automóveis de última geração com hidrogênio em caráter experimental, cujo custo todavia é ainda proibitivo. A energia (trabalho) derivada da combustão controlada do hidrogênio pode ser compreendida a partir das células combustíveis: numa PEMFC (célula combustível de membrana de troca de prótons) dois eletrodos são separados por uma membrana inteligente que permite a permeação e ionização do hidrogênio gasoso até seus constituintes o próton e o elétron, a captura da energia liberada e a recomposição, em reação com o oxigênio do ar, da própria água.

Todavia, a obtenção de hidrogênio a partir da fonte natural mais abundante, a água, é um processo de alto custo (pela demanda de energia elétrica) e é designado de eletrólise. P.M. Kanarev, um renomado especialista russo no desenvolvimento de eletrolisadores de água de menor custo, estima que a produção de 1,23 litros de hidrogênio (que é o volume deste gás “quimicamente compactado” em uma grama de água) demanda 4 Wh de eletricidade. Estima-se que mais da metade de todo hidrogênio industrial atualmente produzido é via reforma de vapor de gás natural (metano e outros gases).

metano + água (vapor) —-——(*) —-—-—-—-: hidrogênio + monóxido de carbono

CH4 + H2O —-—-—-—-—-—-—-——(*)-—-—-—-—-—: 3 H2 + CO

(*) catalisador metálico; 700 a 1.100oC

Apenas uns 5% do H2 advém de eletrólise da água por ser processo mais custoso. Na presença de um eletrólito como a soda e pela passagem de corrente elétrica a água é decomposta em seus gases constituintes: no eletrodo positivo (anodo; 1) é liberado o oxigênio enquanto que no eletrodo negativo (catodo; 2) é liberado o hidrogênio, que podem então ser coletados separadamente:

(1) 2 H2O —-: O2 + 4 H+ + 4 e-

(2) 4 H2O + 4 e- —-: 2 H2 + 4 OH-

ou 2 H2O —-: 2 H2 + O2

Há alternativa de decomposição química da água que prescinde do gasto de eletricidade mas ela padece de praticidade e economicidade. A simples imersão de uma pastilha de sódio metálico em água, libera prontamente hidrogênio mas a reação é tão violentamente exotérmica que o H2 experimenta imediata combustão, com o agravante de co-geração de álcali forte (soda):

2 Na + 2 H2O —-: 2 NaOH + H2

Nesta ótica - otimização da liberação de hidrogênio a partir da água - , a mais recente inovação advém de um grupo de engenheiros mecânicos da Universidade de Minnesota (USA), encabeçados por Tareq Abu-Hamed e em parceria com colegas do Instituto Weizmann de Ciências (Rehovot, Israel). Um automóvel é equipado com um tanque de água e com outro tanque com boro elementar (que é não-metálico). O contato dos dois leva a uma decomposição “controlada” da água, quando o boro sequestra o oxigênio da mesma para formar óxido de boro e com a conseqüente liberação de hidrogênio gasoso, que pode então ser queimado para a movimentação do veículo. A economicidade do processo residiria na possibilidade de reciclar (infinitas vezes) o óxido de boro até boro elementar (e.g., através da energia - grátis - de um painel solar). Um tanque de 45 litros de água (pré-combustível) requereria 18 kg de boro para produzir 5 kg de hidrogênio (equivalente a 40 litros de gasolina). Uma grama de boro amorfo vale uns US$ 2, mas o cristalino já sobe para US$ 5. Estendendo a conta para os 18 kg de boro (uma única carga) já se elevaria o custo do carro por um fator de aproximadamente 100%. Os textos em química dizem que o boro não é reativo frente a água à temperatura ambiente (uma fina camada de óxido cria um “escudo” à progressão da reação). Logo, o tal carro teria que dispor de uma fonte energética auxiliar (bateria potente) para elevar a temperatura da água o suficiente para torná-la reativa frente ao boro (embora isto possa ser contemplado por uma parcela do próprio hidrogênio produzido cuja queima atuaria como starter-up). Resumidamente, o veículo pode se tornar economicamente viável para aqueles países ou grupos econômicos que detenham as minas de boro (na forma de bórax ou tetraborato de sódio, Na2B4O7.10H2O e minerais análogos como tincal, colemanita e ulexita) no mundo ou seja: Turquia (reservas de mais de 560 milhões de toneladas como B2O3; a maior na Anatólia Oeste), Estados Unidos (e.g., a Bórax Boron Mine, cerca de Los Angeles), Rússia, Argentina, Chile, China, Peru e Tibete. Mas o boro tem outras variadas aplicações. Um dos isótopos do boro (B10) é amplamente utilizado nas barras moderadoras de reatores nucleares. O boro é fonte do gás trifluoreto de boro utilizado em contadores de nêutrons. Outro derivado, o ácido bórico, por ser um ácido extremamente fraco é amplamente utilizado na lavagem dos olhos (água boricada). A bela cor azul-esverdeada faz o boro de eleição para fogos de artifício. Vidros contendo 12 a 15% de B2O3 (óxido de boro, juntamente com sílica e alumina; “Pyrex”) tem excelente resistência contra a quebra por choque térmico. Carbeto de boro (B4C) é um excelente abrasivo e nitreto de boro (BN) é de extrema dureza, útil em ferramentas de corte. O bórax é componente de esmalte porcelânico para peças ferrosas, telhas e vasos sanitários e se presta também à limpeza de manchas nos mesmos. O perborato de sódio (NaBO3) é amplamente utilizado como oxidante suave em detergentes e sabões. Boratos são extensivamente usados como agente isolante em peças de fibra de vidro. Sais de boro são amplamente utilizados como fertilizantes. Não bastassem estas múltiplas aplicações para o boro, o mesmo pode ser fisicamente processado para gerar fibras de ampla aplicação industrial (similares às de carbono mas muito mais resistentes e leves; usadas até na fuselagem de jatos para reforçar o suporte das asas). Curiosamente ainda, o boro gera derivados designados de boridretos que são recomendados como a forma mais segura de armazenar hidrogênio (e.g., NaBH4, LiBH4; boridretos de sódio ou lítio) em comparação com tanques pressurizados deste gás tão explosivo. É estimado em uns 40% o dispêndio da energia nativa do hidrogênio com os custos de sua liquefação (o que exige altíssimas pressões) e recipientes especiais de estocagem. Enfim a bem conhecida balança dos prós e contras do hidrogênio mas único combustível cuja queima limpa gera apenas água.

Aliás, o veículo concorrente da Daimler-Chrysler apelidado de Natrium (sódio, em latim) usa exatamente uma solução concentrada de boridreto de sódio, a qual, quando passa, sobre uma chapa de rutênio (catalisador), libera seu hidrogênio para movimentar uma célula combustível e finalmente, o próprio veículo. Natrium chegou a desenvolver 130 km/h e cobrir um alcance de 500 km. A companhia entretanto arquivou temporariamente (2003) o projeto pelas dificuldades de suporte do automóvel dentro de uma concepção ambientalmente amiga.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR e prêmio paranaense em C&T.

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