Depois de tentarem colocar óleo vegetal in natura nos tanques de caminhões e colheitadeiras, os agricultores do interior do país agora apostam na construção de usinas de biodiesel próprias. O negócio é válido e legal. Mas e se começam a vender o biodiesel para seus vizinhos?
As luzes que parecem flutuar na escuridão das noites dos campos do interior do Mato Grosso podem ser facilmente confundidas com barcos de pesca. A questão é que o mar ali é de soja, milho e algodão. O trabalho à noite só mostra porque a produtividade agrícola da região está entre as mais altas do mundo.
As colheitadeiras e máquinas agrícolas trabalham os campos dia e noite. Podem ser considerados a síntese do sucesso da explosão agrícola, dos saldos positivos da balança comercial e até da fertilidade da terra deste país que é elogiada desde os tempos de Pero Vaz de Caminha.
Falta pouco para que aquelas máquinas também sejam consideradas o símbolo do sucesso do programa do biodiesel. Aqui começa uma história cercada de ironias. Finas ironias que não podem ser encontradas em qualquer lugar.
Para quem vai até os três municípios que são as estrelas do agronegócio de grãos brasileiro, a chance de ver o biodiesel em ação é imensa. Difícil, na verdade, é não topar com o biodiesel em Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum. Naquela região, as fazendas são medidas pelo menos em centenas de hectares e, não raro, aos milhares. Ali toda a produção é mecanizada. É fácil encontrar propriedades de 800, mil hectares cultivadas por uma família de cinco ou seis pessoas com a ajuda das máquinas. Todas elas movidas, originalmente, a diesel.
Para transformar a terra em um mar de soja, milho, ou algodão, é necessário um rio de diesel. Cerca de 50 litros de combustível por hectare por safra. Aqui é importante lembrar que no coração do Mato Grosso é comum a colheita de duas safras por ano.
A união de mecanização com grandes áreas coloca o preço do combustível no alto da pauta de preocupações dos agricultores. Não é sem razão, portanto, que coisas estranhas começaram a acontecer nos motores daquelas máquinas imensas quando o preço da soja caiu de R$ 28,67 por saca em 2003 para R$ 18 por saca neste ano, ao mesmo tempo em que o custo com diesel por hectare saltou de R$ 60,2 para R$ 96,75.
A primeira reação dos agricultores foi adicionar - fazer um blend - de óleo de soja com diesel. Ao preço aproximado de R$ 1 por litro e considerando-se uma mistura de 50%, a economia potencial para cada mil hectares plantados é de 25%. Levando-se em conta que o diesel nesta região custa R$ 2, a economia chega aos R$ 25 mil, por safra. Logo que surgiu a idéia, parecia ser uma ótima saída, mesmo na ponta do lápis, avalia Fernando Chaparro, presidente do Sindipetróleo-MT.
Contudo, a economia para muitos dos agricultores que optaram por esta alternativa foi bem menor. Os problemas nos motores das máquinas agrícolas foram sérios. Uma borra de óleo formava-se sobre as cabeças dos pistões, imobilizava os anéis e fazia com que os motores começassem a bater em um curto espaço de tempo.
"Para mim foi a melhor coisa que aconteceu no ano passado", diz Artemio Heidmann, dono da mecânica A. H. Diesel de Nova Mutum. Segundo Artemio, foram pelo menos 50 motores que passaram pela oficina devido aos problemas gerados pelo uso de óleo vegetal misturado ao diesel.
Segundo o mecânico, o glicerol presente nos óleos vegetais impregnava os motores internamente. O aumento da taxa de compressão causado pelo combustível fazia com que a pressão vazasse e impregnasse o óleo do cárter tornando-o gelatinoso e, em alguns casos, fundindo o virabrequim. Outros problemas também foram registrados como entupimento de bicos e bombas injetores e troca do filtro com freqüência bem maior.
Fazendo cálculos precisos, um motor que recebesse óleo vegetal e apresentasse problemas rendia, pelo menos, uma fatura de R$ 8.000 para seu proprietário. Neste caso, a economia ainda faz sentido porque estamos falando de apenas um motor com um problema simples. Mas multiplique isso por dois ou três e a economia vai para o espaço. Se o defeito for mais grave, a conta do conserto de apenas um motor pode ficar em algo entre R$ 15.000 e R$ 20.000, incluindo peças e serviços.
As despesas com a mecânica fizeram com que os agricultores repensassem o uso do óleo vegetal. Um leve aumento da cotação da soja – e, portanto, do óleo - fez com que, ao menos no Mato Grosso, a situação mudasse radicalmente. Mas para muitos a saída encontrada não foi, como poderia-se imaginar, o retorno ao diesel mineral fornecido tradicionalmente pelos TRRs da região.
Uma boa parcela dos agricultores decidiu apostar no biodiesel. O preço é comparativamente maior do que o do óleo vegetal, mas em compensação era possível dormir tranqüilo. Ninguém precisava se preocupar se alguma das máquinas iria parar devido a problemas mecânicos causados pelo óleo vegetal.
Desta vez a opção foi mais racional, pois dependia de investimentos. Assim tinha que ser porque o biodiesel não estava disponível tão facilmente quanto o óleo de soja. Seria necessário realizar investimentos, montar a linha de produção. De qualquer forma o ambiente parecia bastante propício. Matéria-prima abundante, petróleo em valor elevado e, logo, fretes e preços de combustíveis elevados tornaram o ambiente competitivo para a produção.
Aqui surge a primeira ironia. Entre os primeiros beneficiados do uso do biodiesel está a agricultura familiar. Mas não exatamente aqueles agricultores que o programa do biodiesel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia beneficiar. São agricultores familiares que, como já se disse, trabalham muito, mas felizmente têm capital para aplicar tecnologia à cultura e assim conseguir uma boa renda. Os mesmo agricultores que se mobilizaram em protesto, fecharam estradas e queimaram antigos tratores para protestar contra a política agrícola do governo Lula.
A segunda ironia vem logo na seqüência. O biodiesel não foi instrumento de receita para as famílias, embora não se possa negar que ele foi capaz de aumentar a receita.
Claro que o investimento não foi feito na base de uma fazenda, uma usina. Nem poderia ser devido ao alto valor.
Mas em Sorriso, com cerca de 650 mil hectares de área agrícola, as usinas em produção e em construção devem garantir um suprimento de 50 mil litros por dia de biodiesel, segundo o secretário de indústria e comércio do município, Alei Fernandes. O município até doou terreno para instalação de usinas.
Na verdade, isso significa um potencial de produção de 1,5 milhão de litros por mês, num local onde a principal atividade econômica consome, em média, 2,7 milhões de litros por mês. A conquista de 55% do mercado desta microrregião em 12 meses pelos produtores de biodiesel só pode ser atrapalhada por fatores como a queda do preço do diesel ou a valorização de todas as diversas matérias-primas que podem ser usadas para fabricação do combustível renovável.
Ah, os tributos...
Os problemas do campo e a conjuntura do mercado internacional de petróleo, assim como a política de preços da Petrobras são apenas uma parte da equação que viabiliza o biodiesel em Mato Grosso.
O outro lado da fórmula está baseado sobretudo na questão tributária. Mesmo com o barril de petróleo a US$ 70, o custo de produzir e distribuir o diesel mineral é menor do que o de produzir o biodiesel. A equação se torna viável a favor do combustível de origem vegetal quando ele é vendido sem nota enquanto o diesel é tributado.
Tome-se como exemplo os dois últimos leilões da ANP. Realizados no dia 12 de julho, a compra do governo fechou a R$ 1,76 por litro. Um valor bem superior ao do derivado de petróleo na refinaria, em torno de R$ 1,14 no Rio de Janeiro, onde fica a sede da ANP, ou mesmo os R$ 1,18 para o Mato Grosso.
Para os mercados mais distantes percebe-se que trata-se de um concorrente de peso para bagunçar o mercado normal, quando se soma os demais impostos e custos e margens de distribuição, transporte e revenda.
Segundo Jaudenes Vanzella, um dos produtores de biodiesel de Sorriso, ele é capaz de produzir cerca de 3.000 litros de biodiesel em um dia por cerca de R$ 1,30. Isto com uma usina de processo metílico (que usa o metanol e não o etanol como ingrediente) com baixo índice tecnológico. É de se supor que outros fabricantes com capital maior possam reduzir isso sensivelmente ao mesmo tempo em que aumentam a qualidade do produto final. No Mato Grosso, a compra de biodiesel sem nota parece ser um ótimo negócio, mesmo que o biodiesel saia por algo entre R$ 1,80 e R$ 1,90 o litro. Trata-se de uma economia de 10% a 20% no custo com combustíveis que não pode ser desprezada. Obviamente vale lembrar que as despesas mecânicas serão bem menores. Segundo o próprio Heidmann, da retífica de Nova Mutum, ele acompanha uma caminhonete que já rodou 70 mil quilômetros no biodiesel sem qualquer problema decorrente do combustível para o motor. As pequenas avarias, quando ocorrem, não são exatamente iguais às relacionadas ao diesel mineral, mas se equivalem em custo e, em alguns casos, até são vantajosas para o produto de origem vegetal. O mecânico também acompanha um motor estacionário com 2.000 horas de uso sem qualquer tipo de problema em relação ao combustível de origem vegetal.
Outro ponto importantíssimo é a questão da matéria-prima que será usada para produzir o biodiesel. No Mato Grosso, a soja foi usada devido à queda dos preços. Contudo, esta vantagem desaparece quando a saca entra numa faixa de R$ 20 a R$ 22.
No Mato Grosso, isso poderá ser compensando com inúmeras alternativas. O fato de a região ser capaz de produzir duas safras por ano também ajuda. Na chamada safrinha (mais curta do que a safra normal), pode-se plantar girassol. Enquanto a soja rende 540 quilos de óleo por hectare, o girassol rende 630. Também é possível usar o sebo de boi dos frigoríficos da região. O sebo de boi é visto como uma matéria-prima de grande potencial para a fabricação de biodiesel. Outra alternativa seria usar o óleo extraído do caroço do algodão. O objetivo final das plantações de algodão da região é a pluma, para a indústria têxtil. O caroço atualmente tem o preço em baixa e, além disso, requer um alto custo de frete para ser enviado para as esmagadoras localizadas em São Paulo e Paraná. É interessante notar que esses dois últimos casos agregam valor a um sub-produto.
Com isso, o que muitas vezes era um item com baixo faturamento e, em alguns casos até de despesa, torna-se um produto de alto valor agregado. Na pior das hipóteses, matéria-prima para a produção de combustível.
Neste cenário é fácil imaginar que surjam dois mercados principais para o biodiesel. Um deles será o formado para o auto-consumo. Esta possibilidade foi aberta pelo decreto 5.448 de 2005, que permitiu que empresas e particulares produzam biodiesel para consumo próprio sem a necessidade de restringir o potencial da mistura.
Com cerca de R$ 300 mil em investimentos é possível montar uma usina com capacidade para produzir cerca de 3.000 litros por dia pelo processo metílico, que como o nome indica usa o metanol e é mais simples do que a produção com etanol devido à quantidade de água residual. Para uma usina com capacidade de 15 mil litros por dia e uma extrusora para esmagar os grãos, o valor de instalação sobe para R$ 916 mil.
O outro mercado, ou a outra parcela de mercado, será formada pelas empresas interessadas em vender para as distribuidoras diretamente, ou para o governo por meio dos leilões da ANP.
Um ponto sensível é que a instalação de uma usina de biodiesel é relativamente simples. Devido à burocracia e aos custos relacionados não é difícil imaginar - aliás nem é preciso, pois é algo que já vem ocorrendo - que surjam empresas produtoras que não se registrem na ANP.
Isto é outra questão relevante. Teoricamente existiria uma barreira regulamentar para as pequenas usinas, pois cada leva de biodiesel deve ser testada para determinar se os critérios técnicos se encontram dentro das especificações do órgão regulador. Como o custo da análise é muito alto, isto teria impacto direto para o produtor. O processo de fabricação do biodiesel no Brasil ainda não está totalmente dominado. Prova disso é que novas técnicas ainda são testadas para melhorar a produtividade, como a do professor da Universidade Federal do Mato Grosso Paulo Teixeira de Souza Jr. que está desenvolvendo uma técnica mais avançada a partir de microondas.
De qualquer forma, mesmo nas pequenas usinas o padrão de qualidade do biodiesel fica muito próximo do requerido da ANP. Alguns produtores conseguem atingir o nível exigido pela norma técnica na maioria dos quesitos. Sem estrutura para se regularizar, elas podem preferir ficar à margem do grande mercado, mas com um produto competitivo localmente em função do custo da matéria-prima.
A variação de matéria-prima, como pode ocorrer em algumas regiões, a exemplo do próprio Mato Grosso, é um agravante para o produtor, pois cada matéria-prima produz um biodiesel com características diferentes.
O óleo de soja, por exemplo, tem uma tendência maior à oxidação, informa o gerente da divisão de biocombustíveis do Tecpar (Instituto Tecnológico do Paraná), Bill Jorge Costa. Neste caso, é necessário adicionar um antioxidante para que o produto mantenha suas características por mais tempo. Já o óleo de mamona apresenta uma viscosidade maior, em relação aos demais. No entanto, quando misturados ao diesel mineral essas imperfeições tendem a ser eliminadas.
Lidar com o biodiesel representa um desafio não só para os pequenos. Os grandes produtores estudam como armazenar o combustível sem que ele perca suas qualidades ao longo do tempo.
Outro fator que influencia na adoção do biodiesel é o tamanho das propriedades rurais. Em Lucas do Rio Verde, por exemplo, o uso do biodiesel e do óleo vegetal foi menos intenso que nos municípios vizinhos. Segundo Vilson Kirst, proprietário do posto e TRR Ciriema, não se sabe ao certo por que o uso do biodiesel e mesmo do óleo vegetal foi menor do que em Sorriso e Nova Mutum. Mas uma das explicações possíveis pode ser que as propriedades rurais são menores, o que acaba limitando a capacidade financeira dos agricultores. Com isso aumenta a aversão ao risco, pois um problema em uma máquina pode prejudicar o trabalho e a lucratividade de toda a safra.
Mas em Lucas também se usou óleo vegetal. Kirst diz que tem clientes que ainda estão misturando o óleo. "Como aqui se usou pouco, minha maior preocupação em relação aos clientes que usam é se eles vierem questionar a qualidade do combustível que eu vendo", avalia.
Este é um problema potencial e latente, mas cujos danos aos revendedores de combustível devem ser limitados. O uso do óleo de soja nos motores não passa em branco pelos mecânicos que apontam facilmente a origem do problema. Outros danos maiores deverão ser ocasionados pela entrada do biodiesel no mercado.
Na conta de quem
Segundo dados de fevereiro da ANP, a agricultura e os TRRs foram o destino de 470 mil metros cúbicos de diesel, algo como 16% do consumo mensal. Empresas de transporte consumiram mais 455 mil metros cúbicos.
Com potencial de perda de uma parcela dessas vendas no campo e de uma fração bem menor entre as transportadoras que atendem as regiões agrícolas, fica claro quem serão os principais perdedores caso a entrada do biodiesel no mercado se mantenha atabalhoada. Distribuidoras, governos e TRRs serão os maiores prejudicados. A grande questão é que não é possível imaginar qual será o volume de biodiesel que irá entrar no mercado brasileiro como um todo. O que se sabe é que a meta obrigatória para o B2 deve ser cumprida com folga, considerando-se apenas os produtores autorizados e os requerimentos que esperam a aprovação da ANP (veja box).
A tributação do biodiesel pelos Estados será praticamente obrigatória para aqueles que têm forte dependência da arrecadação nos combustíveis e condições favoráveis de produção devido ao baixo custo da matéria-prima e alto valor do frete para entrega de combustíveis derivados do petróleo.
Isto irá requerer também um grande esforço de fiscalização por parte desses Estados, preferencialmente, em conjunto com ANP e outros órgãos interessados, como os ligados ao meio ambiente.
Os TRRs também serão prejudicados como já foram pela adição de óleo vegetal ao diesel mineral. Afinal, uma questão colocada por Kirst, de Lucas do Rio Verde, faz todo o sentido em relação às fabriquetas de biodiesel: "Como que fica se o cara começar a vender para o vizinho?".
Para as distribuidoras é mais uma forma de concorrência desleal que deve ser controlada. "Na economia informal, essas empresas parecem ser muito eficientes, mas na hora em que elas são trazidas para a formalidade percebe-se o quão ineficientes e prejudiciais ao mercado elas eram", avalia Alísio Vaz, superintendente do Sindicom.
Fontes da ANP crêem que as pequenas usinas de biodiesel terão um impacto pequeno no mercado em geral. A coisa pode ser bem diferente caso a dinâmica do óleo de soja no diesel se repita na mesma intensidade.
O uso de óleo de soja misturado ao diesel é uma grande lição do que pode ocorrer no mercado em um curto espaço de tempo. O volume usado foi tão grande - em algumas regiões ainda se pode dizer que o consumo é alto - que afetou a venda de diesel de maneira significativa. Em um primeiro momento, a queda foi atribuída à crise no agronegócio. Esta é uma resposta incompleta. Pelas declarações de revendedores e agricultores do Mato Grosso e Paraná, o uso foi totalmente disseminado. Daí pode-se concluir que boa parte da queda da venda de diesel deveu-se ao consumo de óleo vegetal.
Prova disso é que o consumo de diesel no Mato Grosso caiu 18% no acumulado de até abril de 2006. Na média brasileira o consumo caiu 1,9% no mesmo período. No Mato Grosso do Sul a queda foi de 8,2%, enquanto no Rio Grande do Sul foi de 0,8% e no Paraná foi de apenas 0,5%. Segundo um revendedor do Mato Grosso que falou sob a condição de anonimato, ele vendia carretas de óleo vegetal a pedido dos agricultores. "Ou fazia isso, ou não vendia", afirma. Proprietário de TRR, os negócios neste segmento estão praticamente parados agora que o óleo de soja começou a sair de cena. No Paraná ainda se usa mais óleo vegetal, mas as vendas também estão em queda.
No Mato Grosso a crise é tão brava que para alguns a solução é ver oportunidades no biodiesel. Para Laércio Chorro de Araújo Estrela, diretor de rodovias do norte de Mato Grosso, do Sindipetróleo-MT, o biodiesel pode ser uma oportunidade para os revendedores daquela região. A questão, no momento, é o risco envolvido na atividade. "Os primeiros a entrar ou arrebentam de ganhar dinheiro, ou racham", avalia. "Mas aqui para a região pode ser uma alternativa colocar o biodiesel para vender em um dos postos que tenho". Uma das revendas de Laércio está localizada a pouco mais de um quilômetro da planta de produção de Vanzella. Ambos estão em lados opostos da questão. Na cidade - incluindo o presidente do Sindicato Rural de Sorriso, Nelson Luiz Piccoli - afirma-se que Vanzella vende biodiesel a R$ 1,86. Ele nega, afirmando que sua planta é experimental para uso próprio. Laércio amarga uma queda de 85% nas vendas. Ele atribui que aproximadamente 90% da retração deve ser atribuída à conjunção de fatores como tanques extras nos caminhões aliados à carga tributária elevada do Estado (veja box). O restante poderia ser atribuído ao fator "fritura": óleo vegetal ou biodiesel. Ambos deixam um forte cheiro de pastel frito próximo aos veículos.
Como uma infelicidade comum ao mercado de combustíveis, parece mais uma vez que o downstream será dominado pela informalidade. Existe uma grande carga de receio por parte dos produtores de biodiesel em relação a uma série de fatores, que aumentam o receio de legalizar a operação. No topo das preocupações está o incentivo do governo à atividade. Mas a própria comercialização do combustível dentro das leis é um ponto que preocupa os pequenos produtores atualmente. Caso o problema não seja equacionado, é fácil prever que muitos irão preferir permanecer na informalidade acionando a fábrica sempre que houver matéria-prima para produzir a preço competitivo.
A questão da participação do governo no mercado é central. Os leilões são o principal referencial de preço do mercado para um produto tão valioso, mas cujo valor de produção varia de Estado para Estado, de município para município e até de cultura para cultura. Apenas esta característica já seria suficiente para aumentar a importância dos leilões públicos. Afinal, isto definirá a base de negociação entre distribuidoras e produtores no futuro próximo. As distribuidoras terão duas opções, comprar o produto misturado da Petrobras, ou fazer a mistura em suas bases. Para isso teriam que comprar de produtores certificados, mas precisarão negociar os valores para saber se terão condições de concorrer com o B2 da estatal.
Outro fator que deve colocar pressão no mercado é o interesse dos produtores rurais no biodiesel. Para eles, o produto está longe de ser apenas um item de redução de custo, uma mera melhoria aplicada ao processo de uso de óleo de soja nas máquinas agrícolas e caminhões. Para os produtores de grãos, trata-se de um mercado potencial significativo. "Os produtos vão ter melhor valor", avalia Normando Corral, presidente da Famato (Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso). E aqui está a terceira ironia desta história. O uso do óleo de soja - ou de outras matérias-primas - para produzir biodiesel deve ter influência positiva sobre o preço dos produtos agrícolas. Isto pode fazer com que o biodiesel simplesmente se torne inviável devido ao alto custo de produção, mesmo para os agricultores que lideraram a vanguarda de uso desse combustível. Esta talvez seja a relação mais próxima do biodiesel com o álcool. A existência de outros mercados - no caso do álcool, o açúcar - já se mostrou forte o suficiente para prejudicar o fornecimento de combustível verde. Situação similar pode acontecer com o biodiesel, principalmente quando se fala de grãos, que podem se mostrar mais rentáveis para a venda do óleo vegetal e mesmo do grão.
De resto, existem muitas diferenças que só o tempo dirá como irão se assentar. O certo é que os interesses por trás da questão serão - como sempre no mercado de combustíveis - imensos. Governos, grandes distribuidoras, agricultores e revendedores têm, ou terão, interesse crescente na questão. Isso para não falar dos consumidores. Depois de problemas com a gasolina e com o álcool, é bom a nação se preparar para lidar com o problemas no diesel que gira 44% dos combustíveis nacionais. A única coisa que não é mais possível fazer é voltar atrás.
Oferta de B2 praticamente garantida
Quando a obrigatoriedade de adição de 2% de biodiesel ao diesel entrar em vigor, provavelmente não haverá problema de oferta do produto. Esta é a expectativa da ANP. Além dos oito produtores já autorizados pelo órgão regulador, mais 31 empresas já entraram com processo para requerer a autorização da Agência.
Com isso, a capacidade de produção de biodiesel formal no país deve alcançar 2,7 bilhões de litros. O volume é superior à necessidade prevista do país.
Não é só a ANP que está lidando com um grande volume de demandas por novos projetos de biodiesel. Segundo Bill Jorge Costa, do Tecpar, chegam demandas a respeito de biodiesel todos os dias.
Segundo o superintendente de abastecimento da ANP, Roberto Ardenghy, percebe-se que os representantes desta segunda onda de interessados têm um perfil diferente das primeiras empresas autorizadas a produzir o biodiesel.
Enquanto na primeira leva as empresas tinham como foco principal de atuação o biodiesel, nesta segunda leva concentram-se empresas que têm subprodutos que podem ser usados para fabricar biodiesel, como esmagadoras de soja e frigoríficos.
Duas iniciativas de produção de biodiesel a partir de sebo de boi já se tornaram públicas. Uma delas usaria parte da refinaria de Manguinhos, enquanto o outro interessado é um dos maiores frigoríficos do país, o Bertin.
Outro grande produtor potencial que ainda não ingressou com o pedido na ANP, mas que estuda produzir biodiesel é a Cocamar, uma grande cooperativa de Maringá (PR), que pretende fabricar o biodiesel para fornecê-lo aos associados a partir da borra (ácidos graxos) do processo de esmagamento de óleo de soja. A vantagem para a cooperativa é que atualmente a borra é um resíduo que precisa ter destino apropriado. Transformar isso em combustível seria uma boa estratégia, diz o gerente comercial da área de grãos da Cocamar, José Cícero Aderaudo.
Com capacidade de esmagamento de soja de 2.500 toneladas por dia, a Cocamar foi uma das empresas que primeiro percebeu a demanda por óleo de soja como combustível.
Fonte: Revista Combustíveis
quarta-feira, 6 de junho de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário