terça-feira, 5 de junho de 2007

Etanol: “Temos uma jóia na mão, como nunca houve”

Presidente da Unica afirma que, sem pressão, barreiras protecionistas não cairão tão cedo

Qual é a sua visão sobre os desafios do Brasil no mercado externo de etanol?

Eduardo Pereira de Carvalho: No mercado externo, o desafio é a abertura do mercado norteamericano, europeu e japonês. Isso não é uma coisa fácil. Existe muita oposição, existem muitos interesses contrários, ao lado da tendência irrefreável dessas economias optarem por combustível renovável ao longo dos próximos dez anos. O grande desafio é saber como isso será feito e em que velocidade se dará essa abertura, uma vez que todo esforço inicial, nos Estados Unidos e na Europa, vai ser absorver produção adicional dos próprios países.

Valor: O senhor considera que o mercado externo continuará sendo muito protecionista ou há uma previsão de redução das barreiras?

Carvalho: Acho que haverá uma redução das barreiras protecionistas, mas isso vai se fazer através de crescente pressão, de negociação internacional.

Valor:Uma questão que se coloca:

Primeiro exportador mundial de açúcar e álcool, pioneiro na produção do etanol combustível a custos competitivos, o Brasil vive um momento único em sua história. O mundo se volta para os canaviais brasileiros. O maior interesse do uso do etanol como fonte de energia vem da necessidade de substituir uma parcela do petróleo utilizado e de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Na Austrália, Nigéria, no Caribe, México e Paraguai “a quantidade de consultores brasileiros na área de álcool é enorme. Mas tudo isso é feito de forma não organizada. Nem mesmo o governo sabe do esforço que o Brasil está fazendo lá fora”, comenta o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), Antonio de Pádua Rodrigues.

“Nós temos uma jóia na mão, como nunca houve na história do Brasil. Nós temos um potencial fantástico de crescimento no Brasil, em primeiro lugar, e num segundo momento, no mundo, porque estamos penetrando num enorme mercado dos combustíveis fósseis”, diz Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da entidade. Mas os desafios são enormes, no exterior e no mercado externo. O setor não precisa de intervenção, mas de ordenamento. Carvalho, que está deixando o comando da Unica nesta semana, deu a seguinte entrevista ao Valor, na semana passada: ca neste momento é a necessidade de maior planejamento estratégico do Brasil para competir neste mercado de combustível renovável que cresce cada vez mais. Já está havendo uma coordenação para esse planejamento?

Carvalho: Já começa a acontecer, mas ainda estamos a anos luz de um ambiente regulatório estável e permanente. Ainda não é seguro que tenhamos as regras para avançar sem preocupações. Valor:

Quais serão os principais mercados para o Brasil de agora em diante?


Carvalho: O primeiro mercado é o interno. As nossas previsões indicam que temos de dobrar a produção de álcool para o mercado interno nos próximos seis anos para atender a frota de veículos flexíveis que está crescendo brutalmente. Para isso, existe uma série de coisas importantes que têm de ser resolvidas. A primeira delas é a uniformização do tratamento fiscal por parte dos estados. Segundo, a regulamentação do PIS-COFINS. Terceiro, uma clareza maior sobre como vamos criar regras que permitam uma diminuição da volatilidade de preços que têm afetado o setor na ausência de qualquer estoque regulatório. Quarto, acho que temos de definir claramente, de forma mais efetiva, qual é o papel dos biocombustíveis e qual é a definição para os demais combustíveis.

Valor: Com que possibilidades de inovação futura o setor privado trabalha: etanol de celulose? Novas variedades?


Carvalho: O primeiro caminho é o tradicional nosso, que é a fabricação de etanol, em que se tem nas novas variedades uma das fontes mais importantes de contínuo crescimento da produtividade. Para isso precisamos avançar para a incorporação de variedades geneticamente modificadas, que possam darumsalto qualitativo brutal na nossa cultura de cana-de-açúcar. Umsegundo ponto é que se tenha inovações no processo de colheita, de transporte do produto da usina, de transformação industrial, quer seja na extração do caldo, na fermentação ... há avanços a serem feitos e que necessitam brutalmente de recursos para que se consigam resultados positivos. Esse é o campo prioritário. Um segundo passo que se afigura muito importante para nós é estarmos a par do que está acontecendo na evolução da segunda geração, que é a produção de álcool por meio da hidrólise do material celulósico. Temos que dominar essa tecnologia. Ainda que para os demais países esta seja a essência dos seus problemas, para nós trata-se de um efeito adicional à nossa cana-de-açúcar. Para aproveitar melhor a nossa cana-de-açúcar temos de dominar esse processo. Para que isso aconteça, vamos ter que investir no processo de aproveitamento do material celulósico.

Valor: Qual o nível de investimento necessário?

Carvalho: Não sei o número exato, mas temos de multiplicar por várias vezes o que estamos fazendo hoje.

Valor: É importante a cooperação com os Estados Unidos?

Carvalho: Acho que sim, porque lá se está investindo muito neste processo de produção de álcool através do material celulósico. A colaboração com os EUA é essencial.

Valor:O setor privado está investindo bastante em várias frentes. Estaria fortalecido para investir em mais tecnologia? Não caberia ao Estado brasileiro participar desses investimentos?


Carvalho: Acho que temos de criar consciência no setor privado de que temos de investir mais em pesquisa do que já estamos fazendo, para assegurar a liderança que temos hoje.


Valor: Hoje o setor sucroalcooleiro desponta como um dos mais importantes do agronegócio brasileiro. Continuará nessa trajetória em termos de exportação e de vanguarda tecnológica?

Carvalho: Acho que sim. O fortalecimento do setor está ligado a isso. No fundo é umcírculo virtuoso. Àmedida que as empresas se fortalecem, elas investem mais em tecnologia... mas é claro que as decisões de ampliar a produção, que é o que nós estamos sendo chamados a fazer, exige investimento em novas tecnologias, esse é um grande desafio.

Valor: Qual é a mensagem que o senhor vai transmitir no Ethanol Summit, onde o setor estará em grande visibilidade mundial?

Carvalho: A mensagem fundamental é a absurda certeza de que nós temos uma jóia na mão, como nunca houve na história do Brasil. Nós temos um potencial fantástico de crescimento no Brasil, em primeiro lugar, e num segundo momento, no mundo, porque estamos penetrando num enorme mercado dos combustíveis fósseis. E por mais que façamos esforços, nossa penetração é um pedaço pequeno desse outro mundo, que é o dos combustíveis fósseis. Isso é inevitável, seja por causa das complicações para garantir a segurança de abastecimento desses combustíveis fósseis, seja pela questão do aquecimento global. Porque a humanidade não poderá continuar a queimar petróleo, gás natural e carvão no ritmo que está fazendo hoje. E isso abre um espaço para nós inacreditável. E não há país mais bem posicionado para aproveitar isso, com mais história, com mais recursos naturais do que o Brasil. Isso abre um espaço fantástico para nós.

Valor: Mas isso depende também de um planejamento estratégico, voltando à questão inicial.

Carvalho: Tudo depende de muito trabalho. Temos de nos concentrar nas coisas importantes para assegurar isso.

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