terça-feira, 5 de junho de 2007

Corrida mundial para ver quem vai patentear enzima de celulose

Estados Unidos investem US$ 585 milhões nas pesquisas desse combustível

Com três décadas de experiência na produção de álcool de cana-de-açúcar, o Brasil apareceu até agora como um dos favoritos para vencer a corrida mundial em busca do etanol de celulose, considerado o combustível do futuro. Mas é bom começar a olhar no retrovisor. Seja por razões ambientais, seja por causa do preço do petróleo, os Estados Unidos resolveram pisar fundo sem economizar recursos. E já representam uma ameaça real.

A disputa é acirrada. Os americanos querem tornar o etanol celulósico competitivo até 2012. Especialistas brasileiros acreditam que o país também pode colocar o produto no mercado no mesmo prazo. Para os Estados Unidos, a nova tecnologia reduzirá a dependência do petróleo, substituindo em dez anos 20% da gasolina consumida. No caso do Brasil, a utilização da celulose disponível nas próprias usinas seria suficiente para dobrar a produção de álcool, com a inclusão de mais de 13 bilhões de litros por ano, sem precisar acrescentar sequer um hectare à área plantada.

O etanol de celulose é produzido a partir da transformação de biomassa em açúcar. Toda matéria vegetal é constituída de lignocelulose, um conjunto de polímeros formado por celulose, hemicelulose e lignina. A celulose e a hemicelulose podem gerar etanol celulósico. Antes da fermentação, porém, é preciso quebrar suas cadeias químicas para obter açúcar. As técnicas mais conhecidas são as hidrólises enzimática e ácida. Na primeira, uma enzima faz a quebra; na segunda, a tarefa fica a cargo de um ácido.

Grande parte das pesquisas se concentra na rota enzimática. O maior desafio é chegar a uma enzima de baixo custo e alto grau de rendimento. Sem isso, a produção industrial será inviável. “Vencerá a corrida quem patentear primeiro a enzima mais eficiente”, alerta o diretor de pesquisa e desenvolvimento do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Tadeu Andrade. “Depois, disso, quem quiser ir atrás terá de pagar royalties”.

Por isso, quase todas as pesquisas, inclusive as desenvolvidas pelo CTC, transcorrem em sigilo. “Muitos trabalhos, principalmente no exterior, envolvem reengenharia genética para chegar à enzima ideal”, explica. Para Andrade, a produção do combustível em escala comercial ainda deverá levar de cinco a dez anos. “Até lá, será preciso muita pesquisa e dinheiro”.

Para os Estados Unidos, não falta nem uma coisa, nem outra. Só este ano, o governo do presidente George W. Bush já anunciou a liberação de US$ 585 milhões, nos próximos cinco anos, para o desenvolvimento de biorrefinarias destinadas à produção de etanol celulósico. Seis projetos, totalizando US$ 385 milhões, já estão definidos. Os outros US$ 200 milhões deverão financiar mais cinco empreendimentos, que ainda não foram escolhidos. Somando-se a contrapartida das empresas o investimento total nas seis biorrefinarias chegará a US$ 1,2 bilhão.

NoBrasil, os investimentosdogoverno ainda são tímidos. O principal projeto em andamento é o Bioetanol, a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia. Coordenado pelo físico Rogério Cerqueira Leite, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o programa, iniciado há um ano, recebeu até agora R$ 3,7 milhões para pesquisas. Para 2007 e 2008 estão previstos mais R$ 8 milhões, divididos em duas parcelas iguais. “Isso é o que já está garantido, mas o valor ainda pode aumentar”, diz o coordenador de desenvolvimento de tecnologias setoriais do MCT, Eduardo Soriano.

Os novos investimentos serão destinados à construção de uma planta piloto para produção do combustível em caráter experimental. O local para instalação da unidade ainda está em estudo, mas segundo Soriano o município mais provável é Campinas. “A partir do momento em que a planta piloto entrar em funcionamento, em dois anos atingiríamos as condições necessárias para viabilizar o produto em escala industrial”, diz a diretora científica do Bioetanol, Elba Bon, ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As pesquisas no âmbito do Bioetanol estão focadas na hidrólise enzimática. A idéia é aproveitar o bagaço e a palha da cana-de- açúcar usados nas usinas de álcool para ampliar a produção do combustível. “A planta piloto fará nosso trabalho deslanchar”, acredita Elba Bon. “Já chegamos ao tipo de enzimas que queremos, mas só através da planta piloto conseguiremos avaliar criteriosamente o custo do processo em escala industrial”.

Ainda nesse semestre, a Petrobras também pretende inaugurar sua primeira planta piloto no Centro de Pesquisas da Companhia (Cenpes). O aporte nessa frente faz parte do montante total de R$ 40 milhões por ano que a companhia investe em biocombustíveis. Segundo o coordenador do programa tecnológico de energias renováveis, Alberto Oliveira Fontes, o objetivo é a produção em larga escala de forma competitiva ainda nesta década.

No setor privado, a principal iniciativa até agora partiu do Grupo Dedini. Em parceria com o CTC e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a empresa vem desenvolvendo um sistema de hidrólise ácida sob orientação do pesquisador Carlos Eduardo Vaz Rossell, da Unicamp. Em quinze anos, o empreendimento já absorveu cerca de R$ 10 milhões e resultou numa unidade demonstrativa, em Pirassununga, que processa uma quantidade de bagaço equivalente à produção de cinco mil litros de etanol por dia.

As cifras norte-americanas impressionam, mas segundo Rossell não chegam a assustar. “Também temos nossos trunfos”, garante. “Dispomos de um setor consolidado, além de matéria- prima barata e abundante”, observa. Para ele, o Brasil tem condições de iniciar a produção comercial do produto mesmo sem obter o máximo de rendimento numa fase inicial. “Se conseguirmos uma tecnologia intermediária, de arranque, poderemos entrar no mercado e ir aperfeiçoando aos poucos, como aconteceu com o Proálcool”.

Segundo Rossell, os Estados Unidos enfrentam dificuldades que não existem no Brasil. A primeira delas é a falta de matériaprima, que lá está reduzida ao milho. Além de não render tanto como a cana-de-açúcar, o milho serve também como alimento e, por isso, não pode ser destinado só à produção de etanol. “Isso está obrigando os investidores a desenvolver enzimas capazes de extrair o máximo de etanol da biomassa”.

Mais cauteloso, Andrade, do CTC, diz que se o cenário não mudar, o Brasil vai perder a corrida. Para ele, só a experiência do Proalcool e a abundância de matéria prima não garantem um salto competitivo. A disputa será decidida nas bancadas dos laboratórios, o que exige planejamento, organização e investimento pesado.

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