terça-feira, 5 de junho de 2007

Etanol: Queda do petróleo acabaria com o programa americano

Um novo eldorado ou uma miragem de duração efêmera que pode levar à bancarrota agricultores e investidores e ainda gerar seqüelas no mercado brasileiro? Os números do chamado boom do etanol nos Estados Unidos são impressionantes. Há seis anos em tendência constante de crescimento, com o recorde de 18,4 bilhões de litros produzidos no ano passado e a perspectiva, de acordo com a Associação dos Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês) de se ultrapassar este ano a barreira dos 25 bilhões de litros, a corrida para a redução do consumo de gasolina através da utilização de fontes alternativas de energia parece ter chegado a um ponto crucial. Por um lado, há a necessidade cada vez mais óbvia de se diminuir a dependência do petróleo produzido em áreas mais ou menos hostis à catequese de Washington. Por outro lado, a demanda por veículos híbridos ainda é um mistério para a indústria automobilística local e uma queda do preço do barril do petróleo seria suficiente para transformar em pesadelo o sonho - hoje ainda distante — da auto-suficiência energética americana.

Desde seu mais recente discurso do Estado da União, quando o presidente George W. Bush anunciou a necessidade de o país reduzir em 20% o consumo ’desmedido’ de gasolina, através do incremento tecnológico da indústria automobilística (o que resultaria em uma economia de 5%) e do investimento em fontes alternativas de energia (responsáveis pelos outros 15% da meta), a corrida pelo ouro do etanol produzido a partir do milho tem se tornado cada vez mais frenética. “Apesar de não termos sido pegos de surpresa, as metas estabelecidas pelo governo foram mais agressivas do que esperávamos”, confessa Ken McCauley, presidente da Associação Nacional de Plantadores de Milho (NCGA, na sigla em inglês), que representa mais de 32 mil agricultores, que estará presente no Ethanol Summit.

O incentivo à produção do etanol dado por um presidente eleito com o apoio da indústria do petróleo, parceira constante desde as primeiras campanhas para o governo do Texas, foi, de acordo com o economista Wallace Tyner, professor da Universidade Purdue, em Maryland, e autor do recém-lançado US Ethanol Policy - Possibilities for the Future, uma indicação peremptória do poder do lobby das fontes alternativas de energia em Washington.

Desde então a indústria passou a reagir apostando em um aumento exponencial da demanda por etanol no mercado doméstico. De acordo com estimativas do próprio governo, este ano cerca de 90,5 milhões de acres serão cultivados exclusivamente com milho nos EUA, um crescimento de 15% em relação a 2006. Desde a explosão da produção nos derradeiros anos da Segunda Guerra Mundial não se plantava tanto milho no país. Analistas de todas as matizes políticas alertam que uma redução brusca do preço do barril do petróleo — especialmente se este retornar a níveis abaixo dos US$ 50 — levariam à ruína milhares de agricultores americanos.

O ritmo acelerado do crescimento na produção de etanol, em combinação com as deficiências de infra-estrutura de uma indústria recém-nascida (parco transporte nas zonas rurais do chamado Corn Belt, a quase inexistência de postos de gasolina equipados para a distribuição e a produção ainda incipiente de carros híbridos) elevam drasticamente os custos de produção. Obviamente, a importação de etanol brasileiro também seria afetada. Um dos maiores especialistas na cadeia produtiva de energia limpa no país, o professor Tyner não acredita, no entanto, em um cenário catastrófico a curto prazo. “O etanol derivado do milho poderá chegar na próxima década a um teto de até 56,3 bilhões de litros por ano e o incremento massivo de cultivo de milho no país, creio, será absorvido por uma demanda crescente. Mas, vamos deixar claro, se por um acaso o preçodobarril do petróleo despencar para a casa dos US$ 50, dentro da atual política energética que temos em Washington, o boom do etanol acaba”.

McCauley também descarta cenários derrotistas e vai além: “Nós já temos condições de brigar pelo mercado com o barril de petróleo sendo vendido por menos de US$ 50. Já há um bom tempo temos dito que temos condições de produzir 53 bilhões de litros de etanol já em 2015. E, dependendo sempre das condições climáticas, vamos seguir quebrando recordes, evitando qualquer prejuízo a outros setores que dependem da produção do grão de milho, como a indústria alimentícia”.

Outro forte argumento contra o incentivo à produção de etanol a partir do cultivo do milho é justamente seu poder de fogo inflacionário. Nos EUA o milho é produto essencial na ração de gado e frango e utilizado como aditivo alimentar em produtos ordinários na mesa do americano, como os cereais consumidos às toneladas no café da manhã e bebidas como refrigerantes e cervejas. “O boom do etanol vai continuar aumentando o preço do milho e de outras commodities. Sem esquecer o fato de que, como a economia americana tem importância decisiva no mercado globalizado, ela vai influenciar o aumento do preço destes produtos não apenas internamente, mas mundo afora, como vimos no México recentemente. Este processo é inevitável. E, neste exato momento, a única outra opção racional para um investimento em bio-combustíveis não derivados do milho nos EUA seria uma aposta na celulose”, diz Tyner.

A queda do preço do grão por conta da velocidade do aumento de áreas de plantio é uma ameaça palpável. Ken McCauley garante, no entanto, que ainda que os agricultores precisem jogar os preços mais para baixo, diminuindo a margem de lucro imediato, há um compromisso tácito de suprir o mercado com o volume necessário para uma revolução na cadeia de consumo energético do país. No entanto, pondera, é preciso lembrar que a indústria do etanol é relativamente jovem nos EUA, sendo fundamental a manutenção da política federal de subvenção. Washington oferece um abatimento de quase 14 centavos de dólar por litro de etanol produzido domesticamente, ao mesmo tempo em que taxa em 54 centavos por galão do produto importado do Brasil. “Não aceito as críticas de que esta seria uma distorção do mercado. Não há outra maneira de ganharmos mercado neste momento. E duvido que alguém hoje no Congresso ou na Casa Branca vá pensar no fim dos subsídios a curto prazo. Um de nossos principais modelos, aliás, é justamente a produção de etanol brasileira, que se desenvolveu depois de décadas de tratamento preferencial, subsídios, empréstimos, perdão de dívidas e limitação de exportação”.

Para Tyner, apesar das muitas especificidades do modelo americano de incentivo à produção de etanol, uma semelhança entre a combalida economia brasileira do pósmilagre econômico e os EUA do fim da era Bush é a pressão pela qual passa a indústria automobilística americana para o aumento da produção dos chamados veículos flexíveis, aptos a receber tanto gasolina quanto E-85. Em maio o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, anunciou um plano de metas que prevê a substituição de toda a frota de táxis na maior cidade do país por carros híbridos até 2012. As reações têm sido proporcionais. O presidente da Shell, John Hofmeister, afirmou no mês passado que os consumidores americanos precisam lembrar que a gasolina chega mais cara nos postos de combustíveis — no feriado do Memorial Day, em maio, chegou a US$ 3,35 por galão — por conta da redução de consumo e do aumento do poder de atração do etanol.

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