terça-feira, 19 de junho de 2007

Com P&D, em 10 anos, o Brasil poderá produzir duas vezes mais etanol, na mesma área plantada

"Com P&D, em 10 anos, o Brasil poderá produzir duas vezes mais etanol, na mesma área plantada", diz ex-ministro da Agricultura

O engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura do primeiro mandato do presidente Lula, deixou o governo no final de junho de 2006 e se lançou a um projeto desafiador: estruturar a Comissão Interamericana do Etanol, comandada por ele, pelo ex governador da Flórida, John Ellis "Jeb" Bush (irmão do presidente George W. Bush), e pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno.

A Comissão é resultado de um tratado bilateral Brasil-EUA e buscará construir estratégias de médio e longo prazos para aumentar a produção e o consumo de etanol, além de promover parcerias para a pesquisa e desenvolvimento tecnológico do setor, envolvendo todos os países da América do Norte, Central e do Sul. Além de ocupar o cargo de presidente do Conselho Superior de Agronegócio do Instituto Roberto Simonsen -- da Fiesp -- , Rodrigues hoje coordena também o Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo -- o GV Agro --, que foi lançado em novembro de 2006. De sua sala no 10º andar do prédio da FGV em São Paulo, Rodrigues ajudará na coordenação dos trabalhos da Comissão criada em parceria com os EUA.

Na entrevista a Janaína Simões, dia 12 de fevereiro, Rodrigues diz que o País pode praticamente duplicar a produção de etanol em dez anos apenas investindo em tecnologia, sem aumentar a área plantada com cana-de-açúcar; conta em que estágio está o trabalho da Comissão Interamericana do Etanol; e defende o aumento dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para tornar a cana-de-açúcar brasileira ainda mais competitiva. Para ele, mais do que exportar o biocombustível, o Brasil deve vender aos outros países o conhecimento e a tecnologia que detém na produção de etanol. E tudo isso passa pela elaboração de uma política pública de caráter nacional que integre os esforços dos diversos atores dessa cadeia produtiva.

O que o Brasil precisa fazer em etanol para substituir 10% da gasolina do mundo?
O Brasil não pode ter a pretensão de suprir o mundo todo com etanol. Precisamos criar mecanismos para que outros países também produzam etanol. Ninguém tem o desejo de ficar dependente de um único país, porque seria o mesmo que continuar dependendo do petróleo produzido por um pequeno número de países. Por essa razão, criamos, em 18 de dezembro de 2006, a Comissão Interamericana do Etanol. O Brasil tem de estimular outros países a serem produtores e consumidores de etanol.

Como?
Em primeiro lugar, o País deve definir um plano com essa ótica de estimular a produção e o consumo mundial de etanol. Hoje, temos oito ministérios cuidando de etanol no governo brasileiro. O presidente Lula criou um comitê interministerial para definir essa linha política do governo. A segunda questão é o setor privado se posicionar quanto a isso também. Se não houver uma clareza a respeito do que pretende o setor privado, podemos ter investimentos errados. Precisamos trabalhar com a idéia de que não devemos vender apenas etanol, mas produtos de maior valor agregado, a inteligência que temos em produção de etanol. Devemos vender tecnologia, como os carros e motores flex fuel que possam ser adaptados e utilizados em veículos do mundo todo. A idéia é ir além do etanol. Para isso, a agricultura, a usina, a indústria de equipamentos, a academia precisam estar bem articulados. Um terceiro ponto dessa agenda para o Brasil é ter recursos humanos adequados. Sem gente preparada na parte agrícola, na parte industrial, na parte comercial, teremos projetos errados, como no Proalcool. Tivemos gente muito boa, que contratou projetos perfeitos do ponto de vista industrial, mas que não se lembrou de que biocombustível depende de agricultura. A FGV, Esalq [Esocla Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP] e Embrapa estão montando um MBA em agroenergia. O curso deverá formar recursos humanos capacitados para todas as fases da cadeia produtiva: gestão agrícola, industrial e tecnológica. Um quarto ponto é a comoditização, ou seja, é preciso que os países produtores e consumidores tenham parâmetros bem definidos sobre o produto etanol, de modo que possa ser comercializado em bolsas. Etanol já é uma commodity, mas sem parâmetros. A União Européia está estabelecendo os padrões para biodiesel, e teremos de nos acoplar a esses padrões. Em etanol, temos a liderança tecnológica, então precisamos conduzir o processo de padronização.

E a pesquisa e desenvolvimento, como entram nessa agenda?
O quinto ponto é justamente a tecnologia. O Brasil tem hoje a melhor tecnologia para produção de etanol no mundo porque tem a melhor matriz energética, a cana-de-açúcar. Não existe nenhum produto hoje que tenha o balanço energético equivalente ao da cana e dificilmente haverá um. Os norte-americanos estão investindo US$ 1,5 bilhão este ano em pesquisa agrícola para o etanol, sobretudo para pesquisa de matérias-primas. Se não investirmos em tecnologia de forma racional e vigorosa, perderemos a primazia competitiva que a cana tem. Precisamos ter programas fortes de pesquisa e estamos trabalhando nisso: temos ações da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], da Embrapa, de órgãos de pesquisa e universidades do Estado de São Paulo. Um sexto ponto dessa agenda é a logística, na qual temos de investir para que a fronteira canavieira avance de maneira competitiva.

Há conflito entre agroenergia e produção de alimentos?
Os técnicos envolvidos na pesquisa e desenvolvimento em etanol hoje acreditam que seja possível, em dez anos, com aperfeiçoamento tecnológico, dobrar a produção de etanol por hectare. Ou seja, com o desenvolvimento de tecnologia, vamos precisar dos mesmos 3 milhões de hectares que temos hoje para produzir o dobro de álcool daqui a 10 anos. No Brasil, temos 62 milhões de hectares cultivados; desses, 6 milhões são cana-de-açúcar, dos quais metade são para etanol e o restante para açúcar. Ou seja, menos de 5% da área agrícola brasileira hoje são voltadas para produção de etanol. Por outro lado, temos 220 milhões de hectares que são pastagens. Não é nenhum bioma a ser conquistado pela agricultura. Desse total, 90 milhões são aptos para qualquer tipo de agricultura, e dos 90 milhões, 22 milhões são aptos para cana. Atualmente produzimos 16 bilhões de litros de álcool nesses 3 milhões de hectares, e a expectativa é de que só o mercado interno precise de mais 11 a 12 bilhões de litros de etanol, nos próximos dez anos, por conta do aumento do uso de carros flex fuel. Isso significa que precisamos de mais 2,5 milhões a 3 milhões de hectares. No entanto, a tecnologia existente hoje evoluirá muito nos próximos 10 anos e todos os técnicos envolvidos na pesquisa e desenvolvimento em etanol hoje acreditam que seja possível, nesse prazo, tirar 100% a mais de etanol por hectare do que tiramos hoje. Supondo que usemos 3 milhões daqueles 90 milhões de áreas de pastagem disponíveis, sobrariam ainda 87 milhões de hectares para produzir alimentos, isso só no Brasil. Além disso, podemos ter resíduos em biodiesel ou etanol que, misturados com o que sobra na dorna de fermentação do álcool, produzem uma ração altamente rica em proteína. Todo esse cenário implica em muito investimento em pesquisa e tecnologia.

Há uma idéia de que o Estado já fez seu papel de incentivador do setor, por conta dos investimentos do Proálcool, mas o senhor está dizendo que o Estado ainda tem um papel importante. Qual seria?
É cuidar do projeto, definir o que o Brasil deseja e que políticas públicas precisam ser desenvolvidas em termos de financiamento, normatização, regras para produção, de forma que o setor privado faça seus investimentos seguindo regras muito claras. E precisa atuar na pesquisa. Contudo, não podemos prescindir dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento. Daí a idéia da empresa de propósito específico que a Embrapa está criando. O governo não tem de interferir em mais nada.

E qual seria a agenda do Brasil para pesquisa e desenvolvimento em etanol?
Primeiro, fazer investimento em pesquisa para que nossa matriz energética não perca competitividade frente a outras matérias-primas. E também olhar para outras formas de produzir etanol a partir de celulose, madeira, milho. Mas a cana oferece tantas vantagens como matéria-prima que é importante investir em pesquisa nessa direção, dentro de um programa nacional abrangente, que incorpore até mesmo um programa de transgenia para cana. A idéia é concentrar uma ação de pesquisa articulada em nível nacional, e fazer algo até mais amplo. Por isso que formamos essa comissão hemisférica de promoção do etanol [Comissão Interamericana do Etanol]. Temos várias perguntas a responder. Precisamos de variedades que dêem mais cana por hectare, mais garapa por tonelada de cana, mais etanol por litro de garapa. A Canavialis, empresa privada, tem uma cana que pode ser 70% mais produtiva por hectare. Mas como é transgênica, não pode ser cultivada ainda. Temos de pesquisar o cultivo da cana, o que engloba do plantio à colheita. Aí entram novas técnicas de preparo de solo, novas formas de adubação, de modo a aumentar a produção de açúcar em vez de matéria vegetal, melhor exploração da microbiologia do solo, formas de colheita. As máquinas de corte de cana não trabalham em terrenos com declividade acima de 12%, por exemplo. Precisamos pensar nisso se quisermos expandir a fronteira agrícola. Temos várias inovações possíveis no processo industrial: moagem, difusão, o que fazer com os subprodutos, com o bagaço, com a folha, como será a hidrólise, como fazer a conservação e armazenagem. Há ainda todo o investimento em logística. Qual o melhor caminho? No caso da linha de produção até o porto, qual o melhor caminho, fazer um duto que leve álcool e traga petróleo ou diesel de volta? E por último temos de pensar em como vamos substituir derivados de petróleo? Uma indústria alcoolquímica pode ser algo nobre. A Índia, por exemplo, estão olhando muito mais a indústria alcoolquímica do que para o etanol como combustível.

E os recursos financeiros para isso?
Não podem ser apenas estatais. Temos de trazer dinheiro para responder perguntas que o setor privado deve fazer, em busca da melhoria da competitividade, de tal forma que ele participe do resultado como produtor, usuário, e também em royalties.

O que já foi feito no âmbito da Comissão?
Brasil e Estados Unidos produzem mais de 70% de todo o etanol do mundo. É preciso que esses países somem nesse projeto de promoção do etanol iniciativas que vão da pesquisa ao comércio internacional. A Comissão foi formada em dezembro de 2006 e começou a trabalhar agora. Elaborei e enviei ao IICA [Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, da Organização dos Estados Americanos, a OEA] um questionário que busca averiguar o estado da arte em cada país na produção de etanol, o potencial de produção, demanda por recursos financeiros, questões institucionais. Dessa forma saberemos quais as demandas dos países, quanto o continente pode produzir, quanto será excedente exportável. O IICA deve responder esse questionário nos próximos três a quatro meses. Com base nessas respostas, a Comissão definirá linhas de pesquisa. Buscaremos projetos de pesquisa agrícola e agroindustrial de caráter continental e estratégico, em que possamos somar e evitar a duplicação de esforços. Vamos também definir quais as demandas financeiras e localizar as fontes de recursos necessários para transformar cada país em um pólo de produção e em um pólo de exportação. E por fim, buscar os agentes que vão se empenhar no processo. Tudo isso precisa ser feito dentro de uma visão sustentável do ponto de vista ambiental e sócio-econômico, pois a idéia é criar empregos e renda nos países menos desenvolvidos. Essa sustentabilidade significa haver uma verificação do sistema de produção, certificação e rastreabilidade, o que precisa ser tratado no âmbito comercial, dentro de uma normativa geral para o continente. Esgotados esses temas, a idéia é ampliar o escopo da comissão para países consumidores, sobretudo os asiáticos, que são dependentes dos produtores de petróleo. Japão, Coréia, China são potenciais compradores do produto. A comoditização não pode prescindir da participação deles.

Mas os países asiáticos também querem produzir etanol.
O Japão, por exemplo, tem uma estratégia interessante. As casas antigas japonesas são de madeira e estão sendo substituídas por alvenaria. Está sobrando madeira. Em vez de queimar, estão começando a fazer etanol de madeira. Mas nunca terão produção suficiente de matéria-prima para cobrir sua demanda, serão compradores de outros países.

Uma grande preocupação hoje é a hidrólise e o aproveitamento de bagaço. Dominar a tecnologia da hidrólise é um ponto-chave para o Brasil?
É um ponto importante em toda a cadeia porque podemos retirar mais açúcar do bagaço e produzir mais etanol sem aumentar a área plantada. Precisamos investir nessa tecnologia, bem como em novas variedades de cana, que sejam resistentes à seca, ou mais produtivas. Há gigantescos desafios tecnológicos a serem respondidos pela pesquisa e a hidrólise é um deles. Como também é o comércio de carbono. Dado o fantástico equilíbrio energético que a cana tem em relação ao consumo e geração de energia, este pode ser um elemento muito relevante de atração de investimento de empresas para o Brasil.

Por que há uma impressão de que, na cadeia do etanol, temos poucos investimentos do setor privado em P&D, em inovação?
Porque tem pouco investimento, de fato.

Mas qual o investimento privado em P&D em etanol?
Não temos esse número, mas sabemos que é pequeno. O setor, mesmo tendo passado por crises, em geral teve uma renda mais folgada do que a de outros produtos agrícolas. Em função disso, não despertou o interesse na área privada por investimento em tecnologia até agora, apesar da Copersucar ter criado o CTC [Centro de Tecnologia Canavieira], que gerou variedades mais produtivas do que as anteriores. Medir esse investimento é um assunto da Comissão. De qualquer forma, seguramente o investimento do setor privado em P&D em etanol deve ser menor do que uma eventual média existente para outros setores no que se refere aos investimentos em P&D. Mas o setor se deu conta da demanda na área tecnológica e a montagem de uma empresa de propósito específico, iniciada pela Embrapa, é o primeiro desdobramento positivo da Lei de Inovação, que permite a criação de empresas que associem os setores público e privado.

O que o senhor achou da iniciativa da Embrapa?
Extraordinária. Há uma nova legislação que abre espaço para isso, mas nem todas as regras estão estabelecidas. Como vai aportar capital, como vai participar dos royalties? Há regras ainda não claras e que inibem a criação de empresas dessa natureza, tanto que ainda não existe nenhuma. Será um grande marco para o desenvolvimento tecnológico brasileiro.

E como o senhor vê a aproximação entre Brasil e Estados Unidos?
Faz todo sentido esses países trabalharem de forma articulada na definição de regras, de promoção da produção em outros países, de estímulo ao consumo. Naturalmente, haverá uma certa concentração da produção por causa de vantagens comparativas, em especial para quem utiliza a cana como matéria-prima. Por enquanto, ninguém compete com a cana. No século XX, o tema foi segurança alimentar, hoje, é segurança energética. Então, não importará o custo de produção, como não importou para a Europa o custo de produzir alimentos no século passado. Não importa se o milho é mais caro, o que importa é garantir a segurança energética. A agroenergia pode determinar mudanças de comportamento dos países no que se refere ao protecionismo para a agricultura, alterar as negociações na Alca [Área de Livre Comércio das Américas] ou na OMC [Organização Mundial do Comércio].

Os norte-americanos querem estabelecer parcerias tecnológicas com o Brasil, mas quando questionados sobre o protecionismo dado ao milho, não deram sinal algum de que a tarifa sobre o etanol importado do Brasil poderá ser reduzida ou eliminada. Como fazer cooperação com um país que quer acesso ao nosso conhecimento e tecnologia e que não dá, como contrapartida, o acesso a seu mercado?
Considero os Estados Unidos um mercado marginal para nós. Eles têm uma determinação de substituir 20% do volume da gasolina por etanol. Isso representa seis vezes a produção de etanol do Brasil. Nós teremos de aumentar a nossa produção em 10 a 12 bilhões de litros em 10 anos, um esforço brutal para abastecer apenas nosso mercado interno. O grande projeto brasileiro não é exportar etanol; é agregar valor, é exportar usina montada, tecnologia, carro flex fuel. Lógico, também devemos exportar etanol. Mas não estou preocupado com o mercado dos EUA. A tarifa, hoje, não é um problema, do ponto de vista comercial, mas sim político, porque dá um sinal para o mundo de que vão continuar com o protecionismo, mesmo em um produto no qual há uma questão estratégica por trás. Devemos nos voltar para a Ásia porque são países demandantes, não têm petróleo na região. Nesse mercado podemos ter mais vigor e presença.

E como estamos posicionados em relação aos insumos utilizados no cultivo da cana? Teria uma agenda para essa área?
O vinhoto, resíduo final da destilação do etanol, é rico em potássio. Por isso, as usinas de açúcar e álcool têm potássio com sobra para irrigar suas áreas de cana. O restilo tem também matéria orgânica, ou seja, tem um pouco de nitrogênio. Hoje, as fazendas que usam restilo como fertilizante líquido só precisam fazer a complementação de nitrogênio. Só usamos o fósforo e o potássio no plantio, no sulco, para dar um start na produção de cana no primeiro corte. A cana, além de ser recicladora de insumos, deixa uma brutal massa de matéria orgânica no solo, nas soqueiras. Essa matéria é transformada pelos agentes microbiológicos presentes no solo em nitrogênio para consumo da raiz. É uma cultura, do ponto de vista da sustentabilidade, extremamente equilibrada.

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