Bioware: empresa desenvolve tecnologias para produzir bioóleo a partir de resíduos; produto tem aplicação na indústria química
Rachel Bueno
A Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) recebeu, entre 17 de maio e 19 de junho, cinco inscrições para suas três novas vagas. "Foi um número bom, considerando que aprimoramos o processo de seleção, evitando que projetos ainda não maduros se candidatassem", avalia o gerente da incubadora, Davi Sales. Ele que ressalta que 130 pessoas fizeram o download do edital no site da Incamp. "Isso significa que, ao ler as exigências, muitos desistiram, e isso acabou se tornando um grande filtro. Desta vez, partimos para a qualidade e não para a quantidade."
O resultado da seleção sairá no dia 17 de julho. As três empresas escolhidas vão se unir a outras 12 já incubadas e poderão permanecer na Incamp por até 36 meses. Desde sua inauguração, em março de 2002, a incubadora colocou oito empresas no mercado. A Bioware é uma delas: graduada em junho do ano passado, desenvolve tecnologias para aproveitar resíduos orgânicos como fonte de energia.
A principal aposta da Bioware é o bioóleo, produto obtido a partir de diversos resíduos — entre eles, a palha da cana-de-açúcar — e que pode ser usado como insumo na indústria química, como combustível em alguns tipos de sistemas de geração e máquinas térmicas e como substituto do fenol petroquímico em resinas fenólicas, entre outras aplicações. O bioóleo foi tema da tese de doutorado que José Dilcio Rocha, um dos dois sócios da empresa, defendeu na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp em 1997. Em seguida, ele fez pós-doutorado no Laboratório Nacional de Energia Renovável dos Estados Unidos.
A Bioware monta plantas-piloto para desenvolver suas tecnologias. Além do bioóleo, a empresa sabe fabricar, entre outros produtos, pequenos tijolinhos feitos de resíduos como a serragem, que podem ser queimados no lugar do carvão. Os maiores chamam-se briquetes e os menores, pellets. Para cada tecnologia, os sócios querem oferecer aos clientes um pacote completo, que inclui processo de produção, projeto para utilizá-lo em escala industrial, cálculos do investimento a ser feito, equipamentos necessários — fabricados por companhias parceiras —, consultoria e todos os serviços. Por isso, as plantas-piloto são uma importante vitrine.
Até agora, as vendas da Bioware têm sido de serviços menores, mas os sócios estão confiantes: esperam faturar entre R$ 250 mil e R$ 300 mil em 2006, e acreditam que atingirão a meta. Os clientes potenciais são pequenas e médias empresas e prefeituras interessadas em aproveitar algum tipo de resíduo na geração de energia. Durante sua permanência na Incamp, a Bioware recebeu dinheiro de agências de fomento, mas não teve faturamento.
As agências são a maior fonte de recursos para a Bioware agregar pessoal. Segundo o engenheiro químico Juan Miguel Mesa Pérez, o outro sócio da empresa e também doutor pela Unicamp, os financiamentos que elas concedem têm a vantagem de ser a fundo perdido — e "em quantidade quase igual à do investimento que alguém faria e cobraria o retorno no curto prazo".
A maioria dos 15 profissionais ligados à Bioware recebe bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — de fomento tecnológico ou do Programa de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (RHAE). A empresa conta ainda com a colaboração de um doutor, remunerado pelo Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e de três alunos de pós-graduação da Unicamp. Dois deles fazem mestrado em planejamento energético e o outro está no doutorado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri).
O doutor remunerado pelo Pipe participa de um projeto da segunda fase do programa, cujo valor gira em torno de R$ 320 mil. O projeto é sobre o processo de briquetagem e torrefação de resíduos. Isso significa formar briquetes por meio da compactação de resíduos como a serragem, e em seguida tratá-los termicamente para que fiquem torrados. A vantagem dos briquetes em relação ao carvão está no aproveitamento de resíduos como matéria-prima, o que evita o corte de árvores.
A Bioware aguarda o julgamento de mais dois projetos dentro Pipe, um para a fase I e outro para a fase II. O da fase II pretende melhorar o processo de produção do bioóleo e ampliar a planta-piloto, hoje capaz de processar 200 quilos de resíduos por hora. O bioóleo resulta da condensação do vapor gerado pelo aquecimento dos resíduos. Juan Pérez explica que o produto possui uma série de compostos e, como o petróleo, precisa ser refinado. A empresa quer, com o projeto, colocar os equipamentos necessários na planta-piloto para transformar parte do bioóleo em um combustível similar ao biodiesel.
A planta-piloto de bioóleo entrou em funcionamento em 1999. Operou em uma usina de cana-de-açúcar em Piracicaba (SP), mas atualmente está desmontada. Os sócios planejam instalá-la em Nova Odessa, na Região Metropolitana de Campinas, ou em alguma usina. Para as usinas seria interessante ter uma planta industrial de bioóleo, pois a palha da cana, normalmente descartada, poderia ser aproveitada. Dilcio calcula que uma planta capaz de processar uma tonelada por hora custaria R$ 2 milhões.
Ainda em relação ao bioóleo, a Bioware espera a aprovação da segunda fase de um projeto financiado pelo Ministério de Minas e Energia para melhorar o trabalho da planta-piloto, acumular horas de operação, ampliá-la para produzir aditivo de petróleo e biodiesel de biomassa, realizar testes de mercado etc. Na primeira fase, o valor do financiamento foi de aproximadamente R$ 400 mil. A segunda fase foi orçada em cerca de R$ 700 mil.
Em 1998, antes da formação da Bioware, a Unicamp requereu a patente intitulada "Bioóleo para emprego como fonte de insumos para a indústria química e método para sua obtenção". De autoria do próprio Dilcio e do professor Carlos Alberto Luengo, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), a patente faz parte do portfolio da Agência de Inovação da Unicamp (Inova). A empresa vai solicitar a patente para outras aplicações do produto.
O Pipe fase I que ainda aguarda julgamento não tem relação com energia renovável. O objetivo da empresa é montar uma planta-piloto de alginato, polímero natural feito de algas marinhas que pode servir para estampar tecidos, estabilizar sorvetes e espessar xampus, além de ter aplicações em áreas como odontologia, vernizes e tintas etc. "Já temos experiência com essa tecnologia, mas com algas que não são brasileiras", revela Pérez. Durante seu mestrado na Universidade de Oriente, em Cuba, ele desenvolveu uma tecnologia para obter alginato de sódio a partir de algas pardas. Com o projeto, a Bioware pretende adaptá-la para as algas encontradas no Brasil
A Bioware também conhece a tecnologia para fabricação de pellets. Tijolinhos menores que os briquetes, eles são igualmente feitos de resíduos e geram energia quando são queimados. "Estamos fazendo um projeto para um cliente produzir mil toneladas de pellets por dia", conta Dilcio, que calcula o custo da planta em R$ 10 milhões. Ele diz que o destino da produção seria o mercado externo, já que os pellets são bastante usados para aquecer casas nos países frios, mas não têm demanda no Brasil.
A empresa é parceira da Unicamp no projeto "Gaseificação de Biomassa", coordenado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe). Em andamento desde dezembro de 2005, o projeto terá dois anos de duração e conta com recursos da Petrobras e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A gaseificação de biomassa, explica Dilcio, é um processo parecido com o que dá origem ao bioóleo, mas o produto final é um gás, queimado em motor para gerar energia. "O Nipe tem sido um órgão da universidade que está muito sensível à transformação da tecnologia em aplicações de mercado — ou seja, o que nós fazemos", diz ele.
Por conta de trabalhos como esse, os sócios da Bioware dividem-se entre o escritório da empresa, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas — onde fica também o campus da Unicamp — e o Laboratório de Combustíveis Renováveis, no IFGW. Na opinião de Dilcio, as empresas que nascem em incubadoras "estão condenadas, no bom sentido", a ter uma ligação com sua instituição de origem. Para ele, esse vínculo "é saudável" e ajuda a manter a empresa inovando.
A Unicamp não é a única parceira acadêmica da Bioware. Em abril, a empresa iniciou uma parceria com a Universidade do Oeste de Ontário (University of Western Ontario) e a empresa RTI, incubada na Universidade de Waterloo, ambas no Canadá. A Bioware mantém outra parceria internacional com um grupo da Universidade de Zaragoza, na Espanha.
Na Austrália, a Bioware tem contatos com as Universidades Monash e de Melbourne e com a empresa pública Csiro. Por se parecer com Brasil em termos de biomassa, Dilcio vê grandes chances de cooperação com o país. "Talvez o que tenha atrasado um pouco seja o fato de a Austrália não ser um signatário do Protocolo de Kyoto", observa. Aqui no Brasil, a Bioware vai testar o bioóleo em turbinas a gás junto com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP).
Nos cálculos dos sócios, a Bioware já participou de mais ou menos 40 eventos no Brasil e no exterior, entre feiras, congressos e workshops. As participações costumam render artigos de divulgação da empresa e de suas tecnologias. Artigos científicos em revistas de impacto mundial são cinco, segundo Pérez. "Temos plantado muito", completa Dilcio. "Nosso networking é fantástico, só falta transformá-lo em tangíveis. Mas estamos animados e não pretendemos fechar a empresa no curto prazo. As pessoas dizem que estamos no caminho certo."
Especificamente para a Bioware, Dilcio acredita que o período de incubação poderia ter sido mais longo que os três anos permitidos pela Incamp. "Quando começamos a empresa, éramos 100% pesquisadores", diz, lembrando que a transformação de um acadêmico em empresário é "profunda, gradual e individual". Administrar uma empresa, com as dificuldades inerentes a essa tarefa — manejar fluxo de caixa, lidar com funcionários e colaboradores, chegar aos resultados e faturamento esperados —, é muito diferente, segundo ele, de administrar projetos de pesquisa na universidade.
"Hoje, depois do tempo na incubadora e de um tempo fora dela, evoluímos bastante e temos uma consciência e formação de empresários que são inegáveis, e que não tínhamos anteriormente", destaca. "Costumo dizer que fizemos um MBA na prática — ou na marra." Os sócios afirmam que a saída da Incamp foi tranqüila, pois já sabiam a quem recorrer — ou seja, às pessoas que os ajudaram dentro da incubadora, com a diferença de que, fora dela, teriam de pagar pelos serviços.
terça-feira, 19 de junho de 2007
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