Qualquer país que pretenda ser interlocutor válido no novo cenário mundial, hoje, precisará tornar o processo de inovação tecnológica endógeno à sua economia. Para tanto, é necessário o esforço criativo e sistemático dos cidadãos, instituições e governos para desenvolver e/ou assimilar competências de inovação — a tranqüilidade nacional no futuro se conquista no presente.
Embora o Brasil desponte no cenário internacional como a mais expressiva liderança no domínio das tecnologias do álcool e da produção de cana-de-açúcar, também neste setor produtivo existem desafios tão difíceis quanto em outras áreas da atividade econômica nacional. Mesmo sendo o país o maior produtor mundial da cana-de-açúcar (com 425 milhões de toneladas de cana produzidas em 5,2 milhões de hectares, em 2005, seguido pela Índia, China, Tailândia e Paquistão), com custos extremamente competitivos (nenhum país do mundo produz o galão a menos de US$ 1, sendo que os Estados Unidos produzem a US$ 4 e a Europa a pouco menos de US$ 3, a partir de outras matérias-primas), ainda assim o Prêmio Nobel de Química (2000) Alan MacDiarmid assevera que a liderança tecnológica mudará de mãos em pouquíssimos anos.
Para evitar que essa “profecia” se materialize, o Brasil terá que agir rápido não só para conquistar avanços tecnológicos aplicáveis à indústria e à agricultura, mas também para obter melhorias institucionais que o tornem mais preparado para a gestão do conhecimento, dos processos produtivos e das relações comerciais (especialmente internacionais) da promissora fonte alternativa de energia em que etanol se transformou nos últimos anos, abrindo uma janela de oportunidade como poucas registradas na história nacional. Sem isso, se verá às voltas com a repetição da condição de celeiro agrícola ou de área geográfica propícia à exploração por multinacionais.
É por isso que iniciativas como a do município de Piracicaba, que organizou um Arranjo Produtivo Local do Álcool - APLA, são deuma relevância que transcende o âmbito local. Fomenta-se a criação de uma teia social de atores representativos, constituída pelos órgãos do governo, pelas empresas, pelas instituições de pesquisa, que vão elaborar a agenda relevante de pesquisa e desenvolvimento para o setor.
O APLA é apropriada para responder ao fato de que a inovação tecnológica nunca é uma ocorrência isolada, antes, reflete a interação de um conjunto de fatores sinergéticos, os chamados meios de inovação. Entre esses, destacam-se: o estágio atual do conhecimento sobre determinaessa do assunto; o ambiente institucional e industrial; a disponibilidade de talentos com competência para definir um problemaem termos técnicos e alcançar soluções; uma mentalidade econômica capaz de formular as viabilidades necessárias para as inovações em termos de custo/benefício; e uma rede de fabricantes e usuários capazes de comunicar e acumular suas experiências.
Grande parte do sucesso de regiões mundiais extremamente dinâmicas vem da criação de ecossistemas de inovação, ambientes que concentram geograficamente um conjunto de empresas inter-relacionadas, fornecedores altamente especializados, prestadores de serviços, empresas em setores correlatos, órgãos de normatização, associações comerciais, universidades e instituições de pesquisa. Nesse ecossistema, há um clima favorável para a troca de idéias quanto a problemas e soluções. Quando teia de agentes é incompleta, o mecanismo de comunicação entre os grupos sociais e as empresas não funciona adequadamente, o que impede a proposição de uma pauta bem concatenada de pesquisa e desenvolvimento.
A reunião dos diversos agentes compõe uma intrincada matriz, cujas partes constituintes relacionam-se a partir de suas qualificações especializadas, tecnologias, informações, capital ou infra-estrutura. Assim configurada, essa rede de empresas, organismos e instituições, com níveis diferenciados de integração de propriedade, fluxos de transação comercial e tecnológicos, alcança um alto grau de coordenação que não poderia ser obtido sem articulação. Com a colocação do etanol em evidência, o país recebe uma grande oportunidade de reforçar sua inserção dinâmica no cenário mundial. Contudo, precisará preparar-se melhor para conseguir se valer de suas vantagens competitivas quase que naturais nessa área.
Quais seriam essas vantagens? A existência de universidades e instituições de pesquisa de nível internacional (EMBRAPA, ESALQ-USP, CENA-USP etc.), extremamente focadas em pesquisa de ponta, que podem atuar como centro de uma rede de cooperação tecnológica, facilitando a aquisição de novas tecnologias para projetos e produção e permitindo acesso compartilhado a conhecimentos científicos genéricos e de Pesquisa e Desenvolvimento — P&D. Observa-se, também, a instalação concomitante de diversos produtores, que já podem contar com um bom e bem instalado parque de fornecedores especializados. Os parceiros de risco (venture capital) são aqueles dispostos a assumir riscos financeiros nos projetos, participando do processo de co-design e agregando valor tecnológico pelo desenvolvimento de itens ou partes do projeto. E eles estão crescendo em número e apresentando maior profissionalização no país. As redes de clientes, os canais de comercialização, os revendedores e usuários finais, os grandes mercados de exportação, o mercado financeiro (sobretudo o de futuros), os organismos governamentais, os órgãos de fomento, são outros elementos que fazem parte dessa complexa matriz de inovação.
A formação do APLA é uma iniciativa interessante, justamente por se propor a aglutinar todos esses agentes, de forma dinâmica e empreendedora. Esse é o caminho que o Brasil precisa trilhar caso aspire manter sua posição de relevância como ator internacional significativo no cenário do etanol como commoditie que responde ao triplo desafio enfrentado pelos países desenvolvidos: energia limpa, energia obtenível fora de áreas geopoliticamente complicadas, energia renovável.
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terça-feira, 5 de junho de 2007
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