quinta-feira, 21 de junho de 2007

Árvore de carne

Além de ter inúmeras propriedades, o caju pode, depois de um processo culinário, ser quase equiparado, em sabor, a uma carne. Duvida?

Carne de caju? Sim, ela existe e está em lasanhas, almôndegas e até suflês
Foto: Divulgação/ Elayna Michelli

Já imaginou se carne nascesse em árvore? Pois em Teresina, no Piauí, isso é quase realidade: a partir do bagaço do fruto do cajueiro, muita gente tem feito um produto que tem aparência, gosto e até mais nutrientes que a carne. Batizada de carne de caju, a novidade concentra todas as propriedades do ingrediente, faz com que seu aproveitamento seja total e, ainda, pode entrar no lugar da carne normal em quase toda receita.

A idéia, que parece absurda, mas já foi bem concretizada, surgiu da cabeça de Elayna Michelli Araújo Rocha Moura, uma verdadeira louca por caju. Apaixonada pelo fruto - ou melhor, pseudofruto, já que a castanha é considerada a fruta do cajueiro - ela, há cinco anos, começou uma pesquisa para descobrir um jeito de aproveitar por total esse ingrediente. Dava para fazer suco, usar em doce, comer a castanha, mas o bagaço sempre sobrava , diz ela, que hoje é instrutora e consultora do programa CajuCultura do Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, do Piauí.

Pesquisando formas de tornar seu desejo possível, Elayna acabou descobrindo que as propriedades do caju eram mais do que ela poderia supor. Por meio das suas experiências, ela quebrou alguns tabus, como o de que pessoas com intestino preso ou gripadas não podem consumir o ingrediente. O caju é fonte de ferro e vitamina C e, por isso, pode e deve ser usada por quem tem gripe. É só colocá-lo na água com limão para retirar a acidez e pronto. No caso de quem tem privação (prisão de ventre), é só consumir a fibra e não o líquido dele , explica.

Foi usando a fibra presente em seu bagaço, aliás, que ela inventou a nova carne . Demorou dois anos para chegar à receita de hoje, que consiste em colocar o bagaço da fruta em água na temperatura de fervura, acrescentar um limão e deixar a mistura por cinco minutos no fogo. Depois de escorrer e espremer bem a fibra basta usá-la em qualquer receita que levaria o corte tradicional dos animais, mas sempre lembrando de acrescentar à mistura um caldo pronto - desses de carne, frango e diversos outros sabores encontrados no supermercado.


Como as fibras do pseudofruto absorvem muito bem o gosto dos caldos, é fácil criar frango, porco, picanha e até camarão a partir da banca de frutas da feira mais próxima. Mais acessível que a carne tradicional em termos econômicos, uma das qualidades desse derivado do cajueiro é a possibilidade de satisfazer o organismo tanto quanto ela, por um preço bem mais baixo. Por isso mesmo, o projeto de Elayna percorre comunidades carentes do Piauí, que já têm substituído a carne do mês pela carne de caju todos os dias. E se a pessoa não tem como comprar caldo pronto, pode cozinhar a carne que comeria uma vez ao mês e guardar seu caldo. Um quilo e meio de carne dá caldo suficiente para produzir até dois quilos de carne de caju , revela a caju expert.

Em alguns lugares, o projeto já fez com que a canja de galinha fosse trocada por caldo de caju em escolas publicas. A digestão da galinha é mais rápida e a criança tende a ter fome mais cedo. Já a de caju, por ter fibra, demora mais para ser digerida e, portanto, prolonga a saciedade , acrescenta Elayna, que garante que sua invenção é bem menos calórica que qualquer outra carne, inclusive a de peixe.

Menu de caju
Risoto de caju, suflê de caju, vinho de caju, cajuína (suco de caju cozido), almôndegas de caju e até brigadeiro de caju fazem parte do receituário de Elayna, que pode fazer um jantar completo usando apenas seu ingrediente preferido. Para a nutricionista da empresa de produtos naturais Mundo Verde, Flávia Morais, consumir tanto caju ou mesmo sua carne não é prejudicial. Mas eles não podem ser únicos em uma dieta, pois esta terá deficiência de outros nutrientes , ressalta.

Além de ser riquíssimo em vitamina C - 1 caju tem 200 mg da vitamina contra os 40 da laranja - o fruto do cajueiro tem uma boa quantidade de compostos fenólicos, aqueles presentes nas uvas e no chá verde, que ajudam, sobretudo, na prevenção de cânceres. Mesmo assim, a carne de caju não pode simplesmente ser colocada no lugar da vermelha. Ela não tem tanta proteína e não pode substituí-la totalmente. O ideal é que entre apenas como uma alternativa do cardápio , analisa a nutricionista.

Segundo ela, embora 100 gramas de caju equivalham a apenas 36 calorias, a carne dele, por ser misturada a caldos, apresenta um pouco mais de potencial engordativo. O caldo é sempre feito a partir da parte mais gordurosa da carne e, por isso, a carne de caju deve ser tão calórica quanto a de peixe, é complicado dizer que tem menos calorias que ele , contesta. De gosto similar à carne, rica em nutrientes, menos calórica e bem em conta - o quilo da lasanha de caju da Elayna custa R$ 30,00, enquanto a de carne sai por R$ 45,00 - a carne de caju é uma boa opção para mudar o cardápio. Confira aqui algumas receitas feitas com ela e, abaixo, a receita da carne básica de caju.

CARNE DE CAJU

Ingredientes:
1 litro de água
1 limão pequeno
500 g de bagaço de caju - o equivalente a 8 ou 10 cajus, dependendo de seu tamanho

Modo de preparo: Em uma panela, leve a água ao fogo. Quando ferver, acrescente o limão e o bagaço do caju. Deixe ferver por 5 minutos, escorra e esprema, deixando a carne seca. Use a carne em qualquer receita, lembrando de sempre acrescentar um tablete de caldo de sua preferência para dar gosto a ela.

AOS LEITORES

• Em resposta a Eduarda, de São Paulo, a carne de caju, sozinha, é muito perecível, assim como a fruta. Deve ser consumida em no máximo 48 horas. Agora, os pratos feitos com ela, como almôndegas e lasanha, se bem congelados, podem durar o mesmo tempo de uma receita que leva carne, ou seja, até um ano.

• Como resposta a Maria, de São Paulo, Elayna Michelli explica que a carne de caju ainda não é comercializada como produto unitário, mas o quilo de uma lasanha feita com ela pode custar, em média, R$ 30,00.

• Com relação à dúvida da Fátima, de São Paulo, o caju usado para fazer a carne de caju não é de nenhum tipo especial. Qualquer caju pode ser usado para esse fim, segundo a Elayna.

• Quanto aos cursos de Cajucultura: a especialista Elayna Michelli ministra essas aulas por meio do Sebrae-Piauí. Para trazê-la a outros lugares do Brasil é preciso entrar em contato com o Sebrae de seu estado e solicitar sua vinda. O número do Sebrae-SP é 0800-728-0202.

• Outras dúvidas, entre em contato com a própria expert em caju, que cedeu seu telefone para os leitores: (86) 9931-5000 ou (86) 8828-5167.

Fonte: Yahoo!Guia da Semana

quarta-feira, 20 de junho de 2007

O Biodiesel no Brasil

Há exatos 40 anos, o cientista cearense Expedito Parente criou o biodiesel, um óleo combustível derivado de plantas oleaginosas capaz de substituir, com vantagens, o diesel derivado de petróleo usado pelas indústrias pesadas, caminhões, usinas geradoras e outros equipamentos. Surgia a descoberta que poderia revolucionar o mundo no que tange à produção de combustíveis de fonte renováveis.

A coisa era tão séria que o então ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, entusiasmado, mandou que as pesquisas de Expedito continuassem no Centro Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos.

Era a ditadura militar e nada foi revelado sobre o trabalho, considerado assunto reservado de segurança nacional. Pois bem. Logo o biodiesel provou ser o combustível do futuro, nascido do país que tem melhores condições em todo o mundo para produzí-lo: a nossa Pindorama. Entre 1980 e 1984, foram produzidos mais de 300 mil litros do óleo, utilizados em testes.

Paralelamente, Expedito criou o bioquerosene, também originário de oleaginosas, substituto do querosene de aviação. E no dia 24 de outubro de 1984, dia do aviador, um Bandeirante da FAB decolou de São José dos Campos usando o bioqueronse como combustível.

O teste foi um sucesso. E tem mais: em 1980, em Fortaleza, o vice-presidente da República, Aureliano Chaves, e o governador Virgilio Távora, este um dos grandes incentivadores das pesquisas do professor cearense, inauguraram ali na BR-116, a primeira usina produtora de biodiesel, montada pelo Expedito e seu fiel auxiliar Alfredo Rafael Campi, o Lelo. No ano de 1983 a empresa Auto Viação Catarinense, de Blumenau, experimentalmente usando biodiesel, o que foi verdadeiro sucesso; tudo registrado pelas páginas do Jornal de Santa Catarina.

Em 2001, Expedito Parente criou a TECNOBIO, uma empresa que fabrica equipamentos para a produção de biodiesel. De lá para cá, centenas dessas unidades foram montadas no País, produzindo combustível para prefeituras,
indústrias, universidades etc.

Contar essa pequena história do biodiesel é fazer justiça ao seu verdadeiro criador, que não teve a sorte de ser um professor de Harvard. Se fosse, talvez, já tivesse até abocanhado um prêmio Nobel.

Mas o assunto vem à tona apenas para alertar os incautos para essa propaganda enganosa do governo, que agora gasta o dinheiro do contribuinte, dizendo que o biodiesel é obra de agora (nunca, em toda a história deste país), assim como tudo de bom que se fez nesse País desde 1500.

Fonte:Blog Por um Brasil decente

Matérias Relacionadas:
Biodiesel I
Biodiesel II
Os novos irmãos Wright e o Lula de saia
A procura da árvore do biodiesel
Metanol vs. Etanol para a produção de biodiesel
Para você dizer que sabe tudo sobre Biodiesel
Biodiesel feito com Etanol
À ESPERA DO BIODIESEL
Verdades e Mitos sobre o Biodiesel

terça-feira, 19 de junho de 2007

Com P&D, em 10 anos, o Brasil poderá produzir duas vezes mais etanol, na mesma área plantada

"Com P&D, em 10 anos, o Brasil poderá produzir duas vezes mais etanol, na mesma área plantada", diz ex-ministro da Agricultura

O engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura do primeiro mandato do presidente Lula, deixou o governo no final de junho de 2006 e se lançou a um projeto desafiador: estruturar a Comissão Interamericana do Etanol, comandada por ele, pelo ex governador da Flórida, John Ellis "Jeb" Bush (irmão do presidente George W. Bush), e pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno.

A Comissão é resultado de um tratado bilateral Brasil-EUA e buscará construir estratégias de médio e longo prazos para aumentar a produção e o consumo de etanol, além de promover parcerias para a pesquisa e desenvolvimento tecnológico do setor, envolvendo todos os países da América do Norte, Central e do Sul. Além de ocupar o cargo de presidente do Conselho Superior de Agronegócio do Instituto Roberto Simonsen -- da Fiesp -- , Rodrigues hoje coordena também o Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo -- o GV Agro --, que foi lançado em novembro de 2006. De sua sala no 10º andar do prédio da FGV em São Paulo, Rodrigues ajudará na coordenação dos trabalhos da Comissão criada em parceria com os EUA.

Na entrevista a Janaína Simões, dia 12 de fevereiro, Rodrigues diz que o País pode praticamente duplicar a produção de etanol em dez anos apenas investindo em tecnologia, sem aumentar a área plantada com cana-de-açúcar; conta em que estágio está o trabalho da Comissão Interamericana do Etanol; e defende o aumento dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico para tornar a cana-de-açúcar brasileira ainda mais competitiva. Para ele, mais do que exportar o biocombustível, o Brasil deve vender aos outros países o conhecimento e a tecnologia que detém na produção de etanol. E tudo isso passa pela elaboração de uma política pública de caráter nacional que integre os esforços dos diversos atores dessa cadeia produtiva.

O que o Brasil precisa fazer em etanol para substituir 10% da gasolina do mundo?
O Brasil não pode ter a pretensão de suprir o mundo todo com etanol. Precisamos criar mecanismos para que outros países também produzam etanol. Ninguém tem o desejo de ficar dependente de um único país, porque seria o mesmo que continuar dependendo do petróleo produzido por um pequeno número de países. Por essa razão, criamos, em 18 de dezembro de 2006, a Comissão Interamericana do Etanol. O Brasil tem de estimular outros países a serem produtores e consumidores de etanol.

Como?
Em primeiro lugar, o País deve definir um plano com essa ótica de estimular a produção e o consumo mundial de etanol. Hoje, temos oito ministérios cuidando de etanol no governo brasileiro. O presidente Lula criou um comitê interministerial para definir essa linha política do governo. A segunda questão é o setor privado se posicionar quanto a isso também. Se não houver uma clareza a respeito do que pretende o setor privado, podemos ter investimentos errados. Precisamos trabalhar com a idéia de que não devemos vender apenas etanol, mas produtos de maior valor agregado, a inteligência que temos em produção de etanol. Devemos vender tecnologia, como os carros e motores flex fuel que possam ser adaptados e utilizados em veículos do mundo todo. A idéia é ir além do etanol. Para isso, a agricultura, a usina, a indústria de equipamentos, a academia precisam estar bem articulados. Um terceiro ponto dessa agenda para o Brasil é ter recursos humanos adequados. Sem gente preparada na parte agrícola, na parte industrial, na parte comercial, teremos projetos errados, como no Proalcool. Tivemos gente muito boa, que contratou projetos perfeitos do ponto de vista industrial, mas que não se lembrou de que biocombustível depende de agricultura. A FGV, Esalq [Esocla Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP] e Embrapa estão montando um MBA em agroenergia. O curso deverá formar recursos humanos capacitados para todas as fases da cadeia produtiva: gestão agrícola, industrial e tecnológica. Um quarto ponto é a comoditização, ou seja, é preciso que os países produtores e consumidores tenham parâmetros bem definidos sobre o produto etanol, de modo que possa ser comercializado em bolsas. Etanol já é uma commodity, mas sem parâmetros. A União Européia está estabelecendo os padrões para biodiesel, e teremos de nos acoplar a esses padrões. Em etanol, temos a liderança tecnológica, então precisamos conduzir o processo de padronização.

E a pesquisa e desenvolvimento, como entram nessa agenda?
O quinto ponto é justamente a tecnologia. O Brasil tem hoje a melhor tecnologia para produção de etanol no mundo porque tem a melhor matriz energética, a cana-de-açúcar. Não existe nenhum produto hoje que tenha o balanço energético equivalente ao da cana e dificilmente haverá um. Os norte-americanos estão investindo US$ 1,5 bilhão este ano em pesquisa agrícola para o etanol, sobretudo para pesquisa de matérias-primas. Se não investirmos em tecnologia de forma racional e vigorosa, perderemos a primazia competitiva que a cana tem. Precisamos ter programas fortes de pesquisa e estamos trabalhando nisso: temos ações da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], da Embrapa, de órgãos de pesquisa e universidades do Estado de São Paulo. Um sexto ponto dessa agenda é a logística, na qual temos de investir para que a fronteira canavieira avance de maneira competitiva.

Há conflito entre agroenergia e produção de alimentos?
Os técnicos envolvidos na pesquisa e desenvolvimento em etanol hoje acreditam que seja possível, em dez anos, com aperfeiçoamento tecnológico, dobrar a produção de etanol por hectare. Ou seja, com o desenvolvimento de tecnologia, vamos precisar dos mesmos 3 milhões de hectares que temos hoje para produzir o dobro de álcool daqui a 10 anos. No Brasil, temos 62 milhões de hectares cultivados; desses, 6 milhões são cana-de-açúcar, dos quais metade são para etanol e o restante para açúcar. Ou seja, menos de 5% da área agrícola brasileira hoje são voltadas para produção de etanol. Por outro lado, temos 220 milhões de hectares que são pastagens. Não é nenhum bioma a ser conquistado pela agricultura. Desse total, 90 milhões são aptos para qualquer tipo de agricultura, e dos 90 milhões, 22 milhões são aptos para cana. Atualmente produzimos 16 bilhões de litros de álcool nesses 3 milhões de hectares, e a expectativa é de que só o mercado interno precise de mais 11 a 12 bilhões de litros de etanol, nos próximos dez anos, por conta do aumento do uso de carros flex fuel. Isso significa que precisamos de mais 2,5 milhões a 3 milhões de hectares. No entanto, a tecnologia existente hoje evoluirá muito nos próximos 10 anos e todos os técnicos envolvidos na pesquisa e desenvolvimento em etanol hoje acreditam que seja possível, nesse prazo, tirar 100% a mais de etanol por hectare do que tiramos hoje. Supondo que usemos 3 milhões daqueles 90 milhões de áreas de pastagem disponíveis, sobrariam ainda 87 milhões de hectares para produzir alimentos, isso só no Brasil. Além disso, podemos ter resíduos em biodiesel ou etanol que, misturados com o que sobra na dorna de fermentação do álcool, produzem uma ração altamente rica em proteína. Todo esse cenário implica em muito investimento em pesquisa e tecnologia.

Há uma idéia de que o Estado já fez seu papel de incentivador do setor, por conta dos investimentos do Proálcool, mas o senhor está dizendo que o Estado ainda tem um papel importante. Qual seria?
É cuidar do projeto, definir o que o Brasil deseja e que políticas públicas precisam ser desenvolvidas em termos de financiamento, normatização, regras para produção, de forma que o setor privado faça seus investimentos seguindo regras muito claras. E precisa atuar na pesquisa. Contudo, não podemos prescindir dos investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento. Daí a idéia da empresa de propósito específico que a Embrapa está criando. O governo não tem de interferir em mais nada.

E qual seria a agenda do Brasil para pesquisa e desenvolvimento em etanol?
Primeiro, fazer investimento em pesquisa para que nossa matriz energética não perca competitividade frente a outras matérias-primas. E também olhar para outras formas de produzir etanol a partir de celulose, madeira, milho. Mas a cana oferece tantas vantagens como matéria-prima que é importante investir em pesquisa nessa direção, dentro de um programa nacional abrangente, que incorpore até mesmo um programa de transgenia para cana. A idéia é concentrar uma ação de pesquisa articulada em nível nacional, e fazer algo até mais amplo. Por isso que formamos essa comissão hemisférica de promoção do etanol [Comissão Interamericana do Etanol]. Temos várias perguntas a responder. Precisamos de variedades que dêem mais cana por hectare, mais garapa por tonelada de cana, mais etanol por litro de garapa. A Canavialis, empresa privada, tem uma cana que pode ser 70% mais produtiva por hectare. Mas como é transgênica, não pode ser cultivada ainda. Temos de pesquisar o cultivo da cana, o que engloba do plantio à colheita. Aí entram novas técnicas de preparo de solo, novas formas de adubação, de modo a aumentar a produção de açúcar em vez de matéria vegetal, melhor exploração da microbiologia do solo, formas de colheita. As máquinas de corte de cana não trabalham em terrenos com declividade acima de 12%, por exemplo. Precisamos pensar nisso se quisermos expandir a fronteira agrícola. Temos várias inovações possíveis no processo industrial: moagem, difusão, o que fazer com os subprodutos, com o bagaço, com a folha, como será a hidrólise, como fazer a conservação e armazenagem. Há ainda todo o investimento em logística. Qual o melhor caminho? No caso da linha de produção até o porto, qual o melhor caminho, fazer um duto que leve álcool e traga petróleo ou diesel de volta? E por último temos de pensar em como vamos substituir derivados de petróleo? Uma indústria alcoolquímica pode ser algo nobre. A Índia, por exemplo, estão olhando muito mais a indústria alcoolquímica do que para o etanol como combustível.

E os recursos financeiros para isso?
Não podem ser apenas estatais. Temos de trazer dinheiro para responder perguntas que o setor privado deve fazer, em busca da melhoria da competitividade, de tal forma que ele participe do resultado como produtor, usuário, e também em royalties.

O que já foi feito no âmbito da Comissão?
Brasil e Estados Unidos produzem mais de 70% de todo o etanol do mundo. É preciso que esses países somem nesse projeto de promoção do etanol iniciativas que vão da pesquisa ao comércio internacional. A Comissão foi formada em dezembro de 2006 e começou a trabalhar agora. Elaborei e enviei ao IICA [Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, da Organização dos Estados Americanos, a OEA] um questionário que busca averiguar o estado da arte em cada país na produção de etanol, o potencial de produção, demanda por recursos financeiros, questões institucionais. Dessa forma saberemos quais as demandas dos países, quanto o continente pode produzir, quanto será excedente exportável. O IICA deve responder esse questionário nos próximos três a quatro meses. Com base nessas respostas, a Comissão definirá linhas de pesquisa. Buscaremos projetos de pesquisa agrícola e agroindustrial de caráter continental e estratégico, em que possamos somar e evitar a duplicação de esforços. Vamos também definir quais as demandas financeiras e localizar as fontes de recursos necessários para transformar cada país em um pólo de produção e em um pólo de exportação. E por fim, buscar os agentes que vão se empenhar no processo. Tudo isso precisa ser feito dentro de uma visão sustentável do ponto de vista ambiental e sócio-econômico, pois a idéia é criar empregos e renda nos países menos desenvolvidos. Essa sustentabilidade significa haver uma verificação do sistema de produção, certificação e rastreabilidade, o que precisa ser tratado no âmbito comercial, dentro de uma normativa geral para o continente. Esgotados esses temas, a idéia é ampliar o escopo da comissão para países consumidores, sobretudo os asiáticos, que são dependentes dos produtores de petróleo. Japão, Coréia, China são potenciais compradores do produto. A comoditização não pode prescindir da participação deles.

Mas os países asiáticos também querem produzir etanol.
O Japão, por exemplo, tem uma estratégia interessante. As casas antigas japonesas são de madeira e estão sendo substituídas por alvenaria. Está sobrando madeira. Em vez de queimar, estão começando a fazer etanol de madeira. Mas nunca terão produção suficiente de matéria-prima para cobrir sua demanda, serão compradores de outros países.

Uma grande preocupação hoje é a hidrólise e o aproveitamento de bagaço. Dominar a tecnologia da hidrólise é um ponto-chave para o Brasil?
É um ponto importante em toda a cadeia porque podemos retirar mais açúcar do bagaço e produzir mais etanol sem aumentar a área plantada. Precisamos investir nessa tecnologia, bem como em novas variedades de cana, que sejam resistentes à seca, ou mais produtivas. Há gigantescos desafios tecnológicos a serem respondidos pela pesquisa e a hidrólise é um deles. Como também é o comércio de carbono. Dado o fantástico equilíbrio energético que a cana tem em relação ao consumo e geração de energia, este pode ser um elemento muito relevante de atração de investimento de empresas para o Brasil.

Por que há uma impressão de que, na cadeia do etanol, temos poucos investimentos do setor privado em P&D, em inovação?
Porque tem pouco investimento, de fato.

Mas qual o investimento privado em P&D em etanol?
Não temos esse número, mas sabemos que é pequeno. O setor, mesmo tendo passado por crises, em geral teve uma renda mais folgada do que a de outros produtos agrícolas. Em função disso, não despertou o interesse na área privada por investimento em tecnologia até agora, apesar da Copersucar ter criado o CTC [Centro de Tecnologia Canavieira], que gerou variedades mais produtivas do que as anteriores. Medir esse investimento é um assunto da Comissão. De qualquer forma, seguramente o investimento do setor privado em P&D em etanol deve ser menor do que uma eventual média existente para outros setores no que se refere aos investimentos em P&D. Mas o setor se deu conta da demanda na área tecnológica e a montagem de uma empresa de propósito específico, iniciada pela Embrapa, é o primeiro desdobramento positivo da Lei de Inovação, que permite a criação de empresas que associem os setores público e privado.

O que o senhor achou da iniciativa da Embrapa?
Extraordinária. Há uma nova legislação que abre espaço para isso, mas nem todas as regras estão estabelecidas. Como vai aportar capital, como vai participar dos royalties? Há regras ainda não claras e que inibem a criação de empresas dessa natureza, tanto que ainda não existe nenhuma. Será um grande marco para o desenvolvimento tecnológico brasileiro.

E como o senhor vê a aproximação entre Brasil e Estados Unidos?
Faz todo sentido esses países trabalharem de forma articulada na definição de regras, de promoção da produção em outros países, de estímulo ao consumo. Naturalmente, haverá uma certa concentração da produção por causa de vantagens comparativas, em especial para quem utiliza a cana como matéria-prima. Por enquanto, ninguém compete com a cana. No século XX, o tema foi segurança alimentar, hoje, é segurança energética. Então, não importará o custo de produção, como não importou para a Europa o custo de produzir alimentos no século passado. Não importa se o milho é mais caro, o que importa é garantir a segurança energética. A agroenergia pode determinar mudanças de comportamento dos países no que se refere ao protecionismo para a agricultura, alterar as negociações na Alca [Área de Livre Comércio das Américas] ou na OMC [Organização Mundial do Comércio].

Os norte-americanos querem estabelecer parcerias tecnológicas com o Brasil, mas quando questionados sobre o protecionismo dado ao milho, não deram sinal algum de que a tarifa sobre o etanol importado do Brasil poderá ser reduzida ou eliminada. Como fazer cooperação com um país que quer acesso ao nosso conhecimento e tecnologia e que não dá, como contrapartida, o acesso a seu mercado?
Considero os Estados Unidos um mercado marginal para nós. Eles têm uma determinação de substituir 20% do volume da gasolina por etanol. Isso representa seis vezes a produção de etanol do Brasil. Nós teremos de aumentar a nossa produção em 10 a 12 bilhões de litros em 10 anos, um esforço brutal para abastecer apenas nosso mercado interno. O grande projeto brasileiro não é exportar etanol; é agregar valor, é exportar usina montada, tecnologia, carro flex fuel. Lógico, também devemos exportar etanol. Mas não estou preocupado com o mercado dos EUA. A tarifa, hoje, não é um problema, do ponto de vista comercial, mas sim político, porque dá um sinal para o mundo de que vão continuar com o protecionismo, mesmo em um produto no qual há uma questão estratégica por trás. Devemos nos voltar para a Ásia porque são países demandantes, não têm petróleo na região. Nesse mercado podemos ter mais vigor e presença.

E como estamos posicionados em relação aos insumos utilizados no cultivo da cana? Teria uma agenda para essa área?
O vinhoto, resíduo final da destilação do etanol, é rico em potássio. Por isso, as usinas de açúcar e álcool têm potássio com sobra para irrigar suas áreas de cana. O restilo tem também matéria orgânica, ou seja, tem um pouco de nitrogênio. Hoje, as fazendas que usam restilo como fertilizante líquido só precisam fazer a complementação de nitrogênio. Só usamos o fósforo e o potássio no plantio, no sulco, para dar um start na produção de cana no primeiro corte. A cana, além de ser recicladora de insumos, deixa uma brutal massa de matéria orgânica no solo, nas soqueiras. Essa matéria é transformada pelos agentes microbiológicos presentes no solo em nitrogênio para consumo da raiz. É uma cultura, do ponto de vista da sustentabilidade, extremamente equilibrada.

Fonte:

Projeto da primeira leva do PIPE dá origem a três pedidos de patente

Projeto da primeira leva do PIPE dá origem a três pedidos de patente; no setor sucroalcooleiro, empresa fatura US$ 10 milhões
Lívia Komar

Em junho de 1997, uma notícia no jornal despertou a atenção do engenheiro químico argentino Pedro Gustavo Cordoba. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) acabava de criar o Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), com o objetivo de gerar uma linha de crédito para financiar projetos inovadores de empresários empreendedores. O proprietário da Technopulp Industrial, instada em Ribeirão Preto (SP), enxergou ali a oportunidade de aperfeiçoar um equipamento útil para o setor sucroalcooleiro e que vinha estudando desde a década de 1990.

Com a ajuda do filho, o também engenheiro químico Pedro Gustavo Córdoba Filho, o proprietário da Technopulp apresentou um projeto de pesquisa à fundação e conseguiu o financiamento para sua idéia. Em 2000, o filtro Vacuum Press (VP), para usinas de açúcar e álcool, surgiu no mercado como um dos 30 primeiros projetos custeados pelo PIPE.

Primeiro, as Indústrias Matarazzo

Córdoba, o pai, chegou ao Brasil em 1970. Formado em Engenharia Química, veio para gerenciar o Departamento de Papel e Celulose das Indústrias Matarazzo. Em 1974, porém, fez uma reviravolta em sua vida e criou a Technopulp Industrial, na região que já era o maior pólo sucroalcooleiro do Estado. Por quatro anos, a empresa manteve o foco no setor de papel e celulose; a prosperidade veio a partir de 1978, no auge do Proálcool. Nessa época, a empresa começou a aparecer no cenário sucroalcooleiro, primeiro com equipamentos como depuradores e refinadores para usinas de açúcar e álcool. Em seguida, nasceram os filtros, que se tornaram o produto principal da empresa. Apesar do foco em usinas de açúcar e álcool, a Technopulp também fornece filtros para os mercados de mineração, fertilizantes, sucos e o já citado papel e celulose.

Em 33 anos, a empresa passou de US$ 500 mil de faturamento e dez funcionários para os US$ 10 milhões anuais e 60 funcionários de hoje. A especialidade da empresa é a purificação de caldo em indústrias. "O PIPE nos ajudou a ampliar a Technopulp. A entrada no mercado se tornou mais fácil com esse financiamento. Hoje triplicamos nossa área industrial", ressalta o proprietário, que também atua como diretor técnico da empresa. A empresa funciona em dois prédios — um, administrativo, na região central da cidade; outro, em um bairro periférico, com oito mil metros quadrados, abriga o Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento e grande capacidade de produção. A empresa tem representantes no Brasil e em toda América do Sul.

Dificuldades

Em 1990, a Technopulp já caminhava em busca da inovação. Devido à experiência de seu proprietário no ramo de papel e celulose, criou um filtro para usinas de açúcar e álcool utilizando os princípios básicos aplicados nos lavadores de celulose para a fabricação de papel, que funcionam com lavagem a vacuo. Nascia assim o primeiro protótipo do que é hoje o carro-chefe da empresa, aperfeiçoado anos depois com o financiamento do PIPE.

Toda usina que produz açúcar a partir do caldo de cana aplica um sistema de filtragem se não quiser impurezas misturadas ao produto final. O equipamento da Technopulp surgiu para substituir o filtro rotativo, que já existia há mais de um século na indústria canavieira e que, apesar de até então ser o único no mercado, já não dispunha de tanta eficiência, desperdiçando toneladas de açúcar em cada safra.

Em 1992, a Technopulp tinha três desses filtros instalados em diferentes usinas da região de Ribeirão Preto. No entanto, com a crise do setor sucroalcooleiro que abalou o Brasil na ocasião, os usineiros receavam investir em novidades. Com isso, a empresa não conseguia aperfeiçoar o equipamento e a produção desses filtros ficou estacionada até surgir o custeamento da Fapesp, cinco anos depois, proporcionando um estudo mais detalhado do filtro em uma planta-piloto para ensaios e testes.

O filtro desenvolvido com apoio do PIPE

Para o desenvolvimento do produto batizado de Vacuum Press, a empresa recebeu da Fapesp R$ 248 mil. Com o dinheiro, instalou um laboratório e a planta-piloto na Usina Diamante, no município de Jaú (SP), onde a solução pôde ser testada e aperfeiçoada na prática. A Technopulp, de sua parte, investiu R$ 104 mil no projeto. Com o financiamento, a empresa do interior de São Paulo conseguiu corrigir defeitos no tempo de drenagem, por exemplo, permitindo aperfeiçoamentos mecânicos e no processo de instalação.

O equipamento inovador, totalmente projetado pela Technopulp, entrou no mercado com força total. Ele filtra a garapa através de duas telas de poliéster. Isso acontece após o processo de decantação, que separa o caldo, já aquecido e tratado, em duas partes, chamadas de "lodo", mais escura e pesada, e de "caldo claro". O lodo vai para o fundo dos decantadores e retém grande parte da sacarose. O equipamento filtra exatamente essa matéria orgânica. A novidade do filtro da Technopulp é o fato de conjugar as etapas de drenagem, lavagem e prensagem. Nos filtros rotativos comuns, a etapa do meio não ocorre. A lavagem, diferencial do VP, otimiza a retenção das impurezas. No processo convencional, grande parte do açúcar que ainda está no lodo acaba sendo desperdiçada para a torta, que é a mistura prensada de todas as impurezas que sobram depois da filtragem. No caso dos filtros VP, a torta é 35% menor que a gerada nos filtros rotativos.

"Sem um sistema de filtração — seja ele de qualquer tecnologia — perderíamos todo o açúcar contido no lodo dos decantadores. O equipamento, sem dúvida nenhuma, aumenta a eficiência da fábrica", afirma o engenheiro agrônomo Roberto Avalloni de Morais, supervisor de processos da Usina Santa Adélia, de Jaboticabal (SP), que trabalha com o sistema da Technopulp há duas safras.

Driblando a concorrência

Os filtros VP também surgiram para acabar com um problema comum dentro das usinas. Os rotativos, que ainda são muito utilizados, exigem limpeza constante e obrigam as usinas a parar freqüentemente para manutenção. O equipamento da Technopulp, segundo a empresa, exige menos cuidados técnicos devido à facilidade para limpá-lo.

A equipe da empresa enumera outras diversas vantagens em relação ao filtro convencional. "O filtro rotativo pesa 40 toneladas, enquanto o da Technopulp pesa apenas oito. O rotativo desperdiça 4% do açúcar para a torta. Nosso índice é de 1,5%. Em uma safra, o equipamento da Technopulp consegue recuperar aproximadamente 10 mil sacos de 50 quilos de açúcar da torta", garante Fernando Ricci Molina, projetista do Departamento de Engenharia Mecânica da Technopulp, que está há 15 anos na empresa e acompanhou suas principais conquistas.

Outro benefício, segundo Molina, é o preço. Enquanto os filtros tradicionais exigem um investimento de US$ 450 mil, o da Technopulp custa US$ 180 mil. "Na mesma safra em que o equipamento é instalado, todo o investimento já retorna para a usina", assegura o projetista.

Do projeto financiado pelo PIPE, mais dois filtros

A empresa vende cerca de 60 filtros Vacuum Press por ano. Cada um consegue atender de três a oito mil toneladas de cana-de-açúcar moída por dia. A Technopulp já instalou cerca de 380 filtros VP em indústrias de toda a América Latina. O pedido de patente do filtro VP foi depositado em 1993, de acordo com a página do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI); mas a patente ainda não foi concedida. Com o final do projeto financiado pelo PIPE, em 2000, o conhecimento adquirido proporcionou à empresa o desenvolvimento de outros dois filtros para usinas, ambos também com pedidos de patente já depositados, em 2005 e 2006. Um deles, chamando Vacuum Belt, é usado na filtragem de caldo clarificado, xarope e licores de refinarias; o outro, chamado de Filtro Horizontal Vacuum Belt, filtra o lodo que resulta do tratamento da água de lavagem dos sistemas de fuligem nas usinas. Segundo o proprietário, eles proporcionam alternativas eficientes em vários sentidos, como pelo tamanho reduzido, economia de energia e facilidade operacional. No entanto, o VP ainda é o mais procurado, por sua qualidade comprovada há sete anos. Seguindo a tendência do mercado, a Technopulp procura agora usinas parceiras para dar início a um novo projeto para filtragem de biodiesel, combustível produzido a partir da reação química de óleos vegetais extraídos de diversas matérias-primas.

Para o argentino especialista em papel e celulose, o sucesso da Technopulp não veio por acaso. "O segredo é ter muita responsabilidade e conhecimento tecnológico. É fundamental conhecer o mercado e o processo de produção. Importante também é formar uma boa equipe, treinada e atualizada", afirma. A empresa acredita que, de alguma forma, tem de recompensar tudo o que foi feito para sua arrancada no setor e, hoje em dia, segundo o diretor técnico, oferece cursos constantes de aperfeiçoamento aos seus colaboradores. A ação, de acordo com a Technopulp, desencadeará grandes avanços para o segmento do açúcar e de álcool, que se mantém historicamente por meio de constantes melhorias.

Fala Expedito Parente, inventor do biodiesel

Titular da primeira patente brasileira no tema, de 1983, conta como
chegou à tecnologia; "Governo não enxergou oportunidade", afirma

É do engenheiro químico formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Expedito José de Sá Parente, a primeira patente brasileira em biodiesel, um sucedâneo do óleo diesel mineral, produzido a partir de óleos vegetais ou gorduras animais. Ele pediu para patentear o biocombustível em agosto de 1980 no Brasil, e a patente foi obtida em 1983. Os estudos começaram em 1978, quando ele era professor do Departamento de Engenharia Química do Centro de Tecnologia da UFC. Hoje, é presidente da Tecbio, empresa que projeta plantas industriais de biodiesel. A inspiração para criar o biodiesel veio de uma planta, o ingá, mas foi nos laboratórios dessa universidade pública, situada em Fortaleza, que nasceu o biocombustível.

O biodiesel é produzido por meio de uma reação química denominada de transesterificação, aplicada ao óleo vegetal ou animal, matérias-primas para o combustível. Trata-se de uma reação química entre um éster, no caso a gordura animal ou o óleo vegetal, e um álcool, que pode ser o metanol ou o etanol. A reação separa a glicerina dos óleos vegetais. O processo inicia-se juntando o óleo vegetal com um álcool simples e catalisadores, usados para acelerar a reação. A glicerina é removida do óleo vegetal por decantação, que separa os compostos sólidos dos líquidos, deixando o óleo mais fino e reduzindo a sua viscosidade. A glicerina é uma substância de alto valor agregado, usada por indústrias farmacêuticas, de cosméticos e de explosivos.

"O processo de transesterificação é conhecido há muitos anos. O que eu patenteei foi a produção de ésteres para o uso como combustível em motores do ciclo diesel, o que é inteiramente diferente do que fez Rodolfo Diesel", esclarece ele, citando o criador dos motores diesel. "Quando Diesel rodou pela primeira vez com seu motor, usou como combustível o óleo de amendoim, mas movido a óleo vegetal in natura", acrescenta. Os motores modernos não poderiam rodar por um tempo prolongado usando um óleo vegetal nas condições testadas por Diesel.

A dedicação de Expedito Parente ao biodiesel começou a render frutos a partir de 2001, com a fundação da Tecbio, hoje com mais de 60 funcionários. Inovação visitou a área técnica da empresa, incubada na UFC. Essa visita será tema de reportagem da nossa próxima edição. Em entrevista concedida dia 12 de janeiro a Janaína Simões, na sede administrativa da Tecbio, no bairro de Aldeota, em Fortaleza, o empresário conta como chegou ao biodiesel, por que o Brasil ficou para trás e só retomou o assunto 26 anos depois, e quais medidas o País deve adotar para se tornar o maior produtor mundial de biodiesel.


Como o senhor chegou à sua patente?
Eu pesquisava novas matérias-primas e processos para produção de álcool, no início do Próalcool, em 1975. Percebi que o álcool não ajudaria a diminuir as importações de petróleo, o objetivo do Próalcool na época, porque o Brasil precisava de diesel. Também notei que o álcool é um combustível para veículo de passeio, enquanto o diesel é um combustível que atende o coletivo, pois é para motores grandes, caminhões, trens, tratores, para gerar energia elétrica. Então, perdi a motivação por continuar a estudar o álcool, apesar de o etanol ser uma grande alternativa ao petróleo. Certo dia, estava em meu sítio, sentado embaixo de uma árvore chamada ingá. A vagem dessa planta abriga sementes e essas têm um óleo. Ao ver essa planta, tive a idéia de conceber o biodiesel. No laboratório, produzi pela primeira vez os ésteres, substâncias que já eram conhecidas. O mérito desse estudo foi apostar naquela molécula para produzir combustível.

Qual foi o primeiro óleo vegetal que o senhor utilizou para produzir biodiesel?
Foi o óleo de algodão, muito disponível no Ceará. Na universidade [a UFC, Universidade Federal do Ceará] havia um velhinho, na época com quase 90 anos, que era um grande conhecedor de motores. Eu quis experimentar o óleo em um motor e esse velhinho me deu um motor diesel pequeno, uma sucata. Falou que o motor não estava funcionando bem nem com óleo diesel, mas fizemos um litro desse produto, testamos e funcionou bem. Esse senhor me animou, disse para eu prosseguir com os estudos, já que o motor funcionou bem com o produto, o que já não ocorria nem com o óleo diesel.

Entre a sua idéia inicial até os testes e a patente, quanto tempo se passou?
A idéia nasceu em 1977. Passamos 1978 fazendo revisões bibliográficas, estudando novas alternativas no laboratório, testando motores, até termos a certeza de que a melhor opção seria os ésteres. Construímos uma pequena unidade-piloto. Fizemos testes regulares e sistemáticos com veículos que faziam manutenção de linha da Companhia de Eletricidade do Ceará (Coelce), hoje privatizada. Esses testes foram muito bons, superaram as nossas expectativas. Testamos nessa época o biodiesel puro, o B100. Nós chamávamos o projeto de Pródiesel, por causa do Próalcool. Em 30 de outubro de 1980, fizemos o lançamento do biodiesel em Fortaleza. Convidamos fabricantes de motores diesel de todo o mundo. O vice-presidente, Aureliano Chaves, veio à festa representando o presidente João Figueiredo, que viajava. Um ônibus circulou pela cidade com biodiesel puro, transportando os cerca de mil convidados para a festa. Fizemos um convênio com a Anfavea [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores] para um programa de testes com diversas marcas de motores. Produzimos cerca de 300 mil litros de biodiesel durante 1981 e parte de 1982. Era um biodiesel de soja, mas também estudamos outras matérias-primas como algodão, amendoim, girassol, babaçu, maracujá, até óleo de sardinha.

Vocês ganharam dinheiro com essa primeira patente?
Não, ela não foi explorada comercialmente.

Por quê?
O governo não se interessou.

Ela já expirou?
Sim. Antigamente, se a patente não fosse usada comercialmente em um prazo de dez anos, caía em domínio público.

E por que o governo e o setor privado não se interessaram pelo biodiesel?
Havia a febre do etanol. Naquela época ninguém acreditava no biodiesel. Fui tido como louco. Fizemos esse programa de testes, enfrentamos problemas, pois não tínhamos especificação, mas conseguimos ajustar os padrões de qualidade desse novo combustível. Como não houve interesse, abortamos o projeto. E em 1991, os alemães e os austríacos começaram a produzir biodiesel.

Mas eles usaram a sua experiência, seus testes e informações de patente para produzir biodiesel?
Sim, porque tudo se iniciou aqui.

E por que o Brasil, primeiro país a ter uma patente em biodiesel, só está falando nisso agora? Por que perdemos a frente disso?
Naquela época as autoridades sofriam de miopia cerebral, não enxergaram a oportunidade.

E o senhor acha que o Próalcool atrapalhou?
Atrapalhou muito. Todo mundo só pensava em álcool. Veja a questão sociológica. Quem produzia álcool? Os antigos senhores do engenho, desde a época do império. Os usineiros de álcool sempre participaram da corte, estavam acostumados com o poder, tinham influência. Talvez se o Brasil não tivesse a experiência com o álcool fosse mais fácil produzir o biodiesel. A outra questão foi como a Petrobras, que tinha o monopólio do petróleo, não enxergou a oportunidade? Por causa dos preços do petróleo, a empresa tinha de olhar melhor para essa tecnologia, mas na época as autoridades e a Petrobras não viam isso.

Quem são os líderes na produção de biodiesel hoje?
A Alemanha é o maior produtor mundial hoje. O Brasil é o segundo, mas entre este ano e 2008 deve passar a ser o primeiro.

Há exportação de biodiesel? Esses países líderes exportam?
Ainda não. Hoje o mercado interno brasileiro está absorvendo tudo, mas creio que, em pouco tempo, começaremos a exportar. Já existe na Tecbio demanda de empresas estrangeiras, principalmente da Europa, desejando importar biodiesel.

Eles querem comprar biodiesel ou querem comprar usinas?
Existem as mais diferentes demandas, inclusive solicitações sobre compra de planta de biodiesel. A Tecbio, inclusive, instalou um escritório na Espanha.

Vocês também têm uma parceria com a Alemanha...
Sim, para a área de pesquisa e desenvolvimento. Temos parceria com as universidades de Tübingen, Giessen e Ülm. Na Espanha, nossa ação é comercial. Fizemos uma aliança com uma empresa espanhola para produzir plantas de biodiesel para o mercado europeu e daqui a alguns anos vamos para a Ásia. Há também grupos estrangeiros comprando terras e investindo em plantas de biodiesel no Brasil. Alguns querem produzir óleo aqui para exportar e produzir em seus países o biodiesel. A África também vem sendo muito procurada.

O senhor tem idéia dos números gerais do mercado de biodiesel?
A produção de biodiesel no mundo ainda é pequena em relação ao consumo. O consumo deve estar em torno de 700 bilhões a 800 bilhões de litros de diesel por ano, e não se produz mais do que 5 bilhões de litros de biodiesel, ainda. Não atingimos nem 1% do consumo mundial de diesel. O potencial de mercado é enorme.

E quais são os desafios que o Brasil tem hoje em termos de pesquisa e desenvolvimento em biodiesel?
Apesar de o programa do álcool, no meu entendimento, ter inibido o avanço em biodiesel no Brasil, foi um excelente professor, uma experiência extremamente positiva para a formulação do atual programa de biodiesel. Tivemos uma redução drástica do custo de produção do álcool graças aos investimentos em P&D, que aumentaram a produtividade agrícola. Houve também melhorias no processo de produção de álcool, devido a inovações tecnológicas. O melhor uso do bagaço na geração de energia elétrica é resultado do esforço em P&D. Essa mesma rota vai acontecer com o biodiesel. A Embrapa, por exemplo, está envolvida em estudos que aumentem a produtividade de oleaginosas. Quando se produz biodiesel, obtem-se uma série de resíduos agrícolas, florestais, temos produção de glicerina. Tudo isso pode se transformar em subprodutos, se agregarmos valor. O setor de pesquisa e desenvolvimento relacionado com o universo do biodiesel é muito rico, muito mais do que o da cana. Diria que está tudo por fazer. Na Tecbio estamos trabalhando com aproveitamento de vários produtos da glicerina, com resíduos das cadeias produtivas dessas oleaginosas, com a produção de hidrocarbonetos, de produtos energéticos. A Tecbio oferece bolsas para estudantes de pós-graduação. Temos técnicos na Alemanha e nos Estados Unidos trabalhando em áreas de nosso interesse.

Os Estados Unidos estão trabalhando com o biodiesel?
Não, nesse caso estou falando do desenvolvimento em bioquerosene.

Como os senhores analisam a questão da matéria-prima? Quais são as melhores para o Brasil?
O biodiesel tem atributos sociais, ecológicos e estratégicos. O Brasil é heterogêneo e cada região é diferente. Então, temos de dividir o País de acordo com as feições regionais em relação à produção e ao consumo do biodiesel. Nesse sentido, acho errado termos apenas uma legislação geral para o setor seria mais indicado dar uma conotação regional para o biodiesel. Esse produto só tem valor, a meu ver, quando associado à vocação regional. Por exemplo, no Nordeste a grande motivação para se produzir biodiesel é combater a miséria no campo. Temos aqui 2 milhões de famílias, o que corresponde a mais de 10 milhões de pessoas. E no semi-árido há uma clara vocação regional, que é a mamona, e um elenco grande de oleaginosas xerófitas ainda não domesticadas, um desafio para a pesquisa. A nossa vocação regional no Nordeste é a agricultura familiar.

Mas é possível produzir biodiesel a partir da agricultura familiar e nas escalas necessárias para o mercado, com competitividade?
O mercado de biodiesel no Nordeste é do tamanho que pode empregar 2 milhões de famílias. Não importa o resto. Se conseguir resolver o problema da fome e da miséria de 2 milhões de famílias, o biodiesel já cumpriu seu papel, não importa o quanto vai produzir. Se você der dois hectares para essas famílias produzirem biodiesel, serão 4 milhões de hectares. Nesse espaço, podemos produzir cerca de 2 bilhões de litros de biodiesel. É uma questão de organizar a política pública para isso. Na Região Norte, temos aquelas comunidades isoladas. Há lugares na Amazônia em que se gasta três litros de diesel mineral para transportar um litro. Se essa comunidade passar a produz biodiesel, ele seria um produto competidor. Lá temos cultura de extrativismo e plantas nativas que produzem óleo de primeira qualidade para fazer biodiesel.

É sustentável produzir biodiesel no ecossistema amazônico?
Sim, em pequenas escalas, em comunidades que vão se organizar para fazer o seu próprio biodiesel.

E no Centro-Sul do País?
O que motivaria a Região Centro-Sul a produzir biodiesel é a questão da saúde pública, da qualidade ambiental nos grandes centros. Quando misturamos biodiesel ao diesel mineral na proporção de 20% a 25%, eliminamos quase totalmente a fuligem e reduzimos o teor de enxofre, poluentes liberados na queima do diesel mineral. A outra motivação para produção de biodiesel nessa região é a geração de riqueza, pois nela temos culturas anuais mecanizadas como a soja, dendê, girassol e amendoim.

Os custos de produção do biodiesel, em relação ao diesel mineral, hoje, são mais elevados. Isso não é um fator crítico?
Os custos variam muito. Se tivermos um óleo de custo inferior a US$ 500 a tonelada, o biodiesel fica mais barato do que o diesel mineral. É uma questão de mercado, depende da matéria prima, de onde você vai produzir o biodiesel. Além disso, o preço dos combustíveis é um preço político, não é um preço de mercado apenas. Hoje, nos Estados Unidos, discute-se uma ameaça interna ao próprio setor de petróleo. Trata-se da inversão dos mercados em direção ao uso do petróleo para o setor químico e menos para fins combustíveis. O mundo está cada vez mais 'plastificado', digamos assim. Esse mercado que usa o petróleo para fins químicos está cada vez maior, então já se enxerga um momento em que vai haver uma inversão.

E a questão do balanço energético? É crítica em biodiesel?
Não, o consumo de energia para produzir biodiesel é quase insignificante.

Temos também o problema do transporte: não podemos gastar mais diesel para transportar biodiesel...
Esse é um problema de logística. Não podemos produzir biodiesel no Nordeste para levá-lo a São Paulo e vice-versa. O biodiesel tem de ser produção local. Isso é uma questão de organização da produção e do consumo, de política pública.

Pode-se usar metanol ou etanol no processo de fabricação do biodiesel. O uso de etanol para produzir biodiesel é vantajoso para o Brasil?
Não é conveniente. Primeiro, o etanol já é uma commodity com preço definido no mercado e seu consumo é crescente. Transformar um produto final em matéria-prima é ir pela contramão. Segundo, para produzir uma tonelada de biodiesel consome-se cem litros de metanol; no caso do etanol, o consumo é de 150 litros. Aqui há uma questão de balanço energético. Um terceiro fator é que o chamado biodiesel etílico tem menor qualidade. Hoje temos pesquisas buscando produzir o chamado biometanol, ou seja, produzir o metanol a partir de matérias-primas como bagaço de cana, de biomassa. A rota etílica tem todos os fatores de competição negativos em relação à rota metílica, mas nossa planta faz as duas, é escolha do cliente. E nossos clientes têm preferido o metanol.

Não precisaremos importar muito metanol para isso?
Hoje, não produzimos metanol suficiente. O Brasil importa o gás natural [matéria-prima para fabricação do metanol] da Bolívia, mas temos um potencial muito grande de produção interna desse gás e condições de fazer metanol a partir da biomassa. Vale lembrar que o metanol é mais barato do que o etanol, mesmo vindo de fora.

Outro insumo necessário na produção do biodiesel são os catalisadores. O Brasil fabrica catalisadores em quantidade e diversidade que atenda à produção de biodiesel?
Sim.

E do que se trata esse projeto do bioquerosene?
Esse é um projeto também da época em que fazíamos os testes com biodiesel, nos anos 1980. Nessa época, vimos que existem alguns óleos vegetais cujas moléculas podem gerar ésteres com características semelhantes às do querosene mineral. No final de 2005, fui convidado pela Organização para o Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas (Unido) para participar de um encontro na China, para o qual convidaram as 20 tecnologias mais promissoras do mundo. Ganhamos o diploma International Celebrity on Technology da Unido, uma espécie de Oscar da tecnologia mundial, com o trabalho "Reflexions on Lipofuels: Biodiesel and Bioquerosene". Pouco tempo depois, a Boeing e a Nasa me procuram para participar de um seminário em Seattle (EUA), na sede da Boeing. Então, fizemos um convênio com a empresa para testes do bioquerosene. Estamos buscando a homologação do combustível nos Estados Unidos. Produzimos aqui o bioquerosene e fazemos os testes na Boeing e na Nasa, que é parceira da empresa em diversos programas de P&D. Todos os custos são patrocinados por eles e temos bolsistas trabalhando nos Estados Unidos.

Qual é a matéria-prima do bioquerosene testado nos EUA?
Óleos vegetais de babaçu. Não podemos divulgar resultados ainda porque há um acordo de restrição.

Por que a Boeing está interessada em bioquerosene?
Porque seus clientes querem um combustível alternativo. Os aviões comerciais voam, em média, por 20, 25 anos. Daqui a 30 anos será que vai haver petróleo, matéria-prima do querosene de aviação?

Como o senhor avalia o programa de biodiesel do governo brasileiro?
É interessante porque implanta o biodiesel gradativamente, começando com a adição de 2% do biodiesel ao diesel mineral. A adição se tornará obrigatória em 2008. Em 2013 devemos chegar aos 5%, mas como estamos atendendo à demanda atual, com os 2% de adição, o governo vem estudando antecipar esses prazos. O consumo de óleo diesel no Brasil está em torno de 40 bilhões de litros anuais. Para atender à adição obrigatória de 2%, precisamos produzir 800 milhões de litros de biodiesel. Acredito que a gente atinja esse índice em 2007. Em 2006, vendemos seis plantas de biodiesel grandes e nove das pequenas, que chamamos de mini-usinas. A planta de Crateús, no Ceará, [da Brasil Ecodiesel], foi projetada para produzir 360 mil litros por dia, mas já atingiu a produção de 400 mil litros por dia. Bateu o recorde de produção na segunda semana de janeiro.

Poderia nos contar qual a relação entre a Tecbio e a Brasil Ecodiesel?
É nossa principal cliente hoje, vendemos seis usinas para eles em 2006, depois que fundos de investimento, por meio do Deutsche Bank, compraram 49% das ações da Brasil Ecodiesel

Bioware: empresa desenvolve tecnologias para produzir bioóleo

Bioware: empresa desenvolve tecnologias para produzir bioóleo a partir de resíduos; produto tem aplicação na indústria química

Rachel Bueno

A Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) recebeu, entre 17 de maio e 19 de junho, cinco inscrições para suas três novas vagas. "Foi um número bom, considerando que aprimoramos o processo de seleção, evitando que projetos ainda não maduros se candidatassem", avalia o gerente da incubadora, Davi Sales. Ele que ressalta que 130 pessoas fizeram o download do edital no site da Incamp. "Isso significa que, ao ler as exigências, muitos desistiram, e isso acabou se tornando um grande filtro. Desta vez, partimos para a qualidade e não para a quantidade."

O resultado da seleção sairá no dia 17 de julho. As três empresas escolhidas vão se unir a outras 12 já incubadas e poderão permanecer na Incamp por até 36 meses. Desde sua inauguração, em março de 2002, a incubadora colocou oito empresas no mercado. A Bioware é uma delas: graduada em junho do ano passado, desenvolve tecnologias para aproveitar resíduos orgânicos como fonte de energia.

A principal aposta da Bioware é o bioóleo, produto obtido a partir de diversos resíduos — entre eles, a palha da cana-de-açúcar — e que pode ser usado como insumo na indústria química, como combustível em alguns tipos de sistemas de geração e máquinas térmicas e como substituto do fenol petroquímico em resinas fenólicas, entre outras aplicações. O bioóleo foi tema da tese de doutorado que José Dilcio Rocha, um dos dois sócios da empresa, defendeu na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp em 1997. Em seguida, ele fez pós-doutorado no Laboratório Nacional de Energia Renovável dos Estados Unidos.

A Bioware monta plantas-piloto para desenvolver suas tecnologias. Além do bioóleo, a empresa sabe fabricar, entre outros produtos, pequenos tijolinhos feitos de resíduos como a serragem, que podem ser queimados no lugar do carvão. Os maiores chamam-se briquetes e os menores, pellets. Para cada tecnologia, os sócios querem oferecer aos clientes um pacote completo, que inclui processo de produção, projeto para utilizá-lo em escala industrial, cálculos do investimento a ser feito, equipamentos necessários — fabricados por companhias parceiras —, consultoria e todos os serviços. Por isso, as plantas-piloto são uma importante vitrine.

Até agora, as vendas da Bioware têm sido de serviços menores, mas os sócios estão confiantes: esperam faturar entre R$ 250 mil e R$ 300 mil em 2006, e acreditam que atingirão a meta. Os clientes potenciais são pequenas e médias empresas e prefeituras interessadas em aproveitar algum tipo de resíduo na geração de energia. Durante sua permanência na Incamp, a Bioware recebeu dinheiro de agências de fomento, mas não teve faturamento.

As agências são a maior fonte de recursos para a Bioware agregar pessoal. Segundo o engenheiro químico Juan Miguel Mesa Pérez, o outro sócio da empresa e também doutor pela Unicamp, os financiamentos que elas concedem têm a vantagem de ser a fundo perdido — e "em quantidade quase igual à do investimento que alguém faria e cobraria o retorno no curto prazo".

A maioria dos 15 profissionais ligados à Bioware recebe bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — de fomento tecnológico ou do Programa de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (RHAE). A empresa conta ainda com a colaboração de um doutor, remunerado pelo Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e de três alunos de pós-graduação da Unicamp. Dois deles fazem mestrado em planejamento energético e o outro está no doutorado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri).

O doutor remunerado pelo Pipe participa de um projeto da segunda fase do programa, cujo valor gira em torno de R$ 320 mil. O projeto é sobre o processo de briquetagem e torrefação de resíduos. Isso significa formar briquetes por meio da compactação de resíduos como a serragem, e em seguida tratá-los termicamente para que fiquem torrados. A vantagem dos briquetes em relação ao carvão está no aproveitamento de resíduos como matéria-prima, o que evita o corte de árvores.

A Bioware aguarda o julgamento de mais dois projetos dentro Pipe, um para a fase I e outro para a fase II. O da fase II pretende melhorar o processo de produção do bioóleo e ampliar a planta-piloto, hoje capaz de processar 200 quilos de resíduos por hora. O bioóleo resulta da condensação do vapor gerado pelo aquecimento dos resíduos. Juan Pérez explica que o produto possui uma série de compostos e, como o petróleo, precisa ser refinado. A empresa quer, com o projeto, colocar os equipamentos necessários na planta-piloto para transformar parte do bioóleo em um combustível similar ao biodiesel.

A planta-piloto de bioóleo entrou em funcionamento em 1999. Operou em uma usina de cana-de-açúcar em Piracicaba (SP), mas atualmente está desmontada. Os sócios planejam instalá-la em Nova Odessa, na Região Metropolitana de Campinas, ou em alguma usina. Para as usinas seria interessante ter uma planta industrial de bioóleo, pois a palha da cana, normalmente descartada, poderia ser aproveitada. Dilcio calcula que uma planta capaz de processar uma tonelada por hora custaria R$ 2 milhões.

Ainda em relação ao bioóleo, a Bioware espera a aprovação da segunda fase de um projeto financiado pelo Ministério de Minas e Energia para melhorar o trabalho da planta-piloto, acumular horas de operação, ampliá-la para produzir aditivo de petróleo e biodiesel de biomassa, realizar testes de mercado etc. Na primeira fase, o valor do financiamento foi de aproximadamente R$ 400 mil. A segunda fase foi orçada em cerca de R$ 700 mil.

Em 1998, antes da formação da Bioware, a Unicamp requereu a patente intitulada "Bioóleo para emprego como fonte de insumos para a indústria química e método para sua obtenção". De autoria do próprio Dilcio e do professor Carlos Alberto Luengo, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), a patente faz parte do portfolio da Agência de Inovação da Unicamp (Inova). A empresa vai solicitar a patente para outras aplicações do produto.

O Pipe fase I que ainda aguarda julgamento não tem relação com energia renovável. O objetivo da empresa é montar uma planta-piloto de alginato, polímero natural feito de algas marinhas que pode servir para estampar tecidos, estabilizar sorvetes e espessar xampus, além de ter aplicações em áreas como odontologia, vernizes e tintas etc. "Já temos experiência com essa tecnologia, mas com algas que não são brasileiras", revela Pérez. Durante seu mestrado na Universidade de Oriente, em Cuba, ele desenvolveu uma tecnologia para obter alginato de sódio a partir de algas pardas. Com o projeto, a Bioware pretende adaptá-la para as algas encontradas no Brasil

A Bioware também conhece a tecnologia para fabricação de pellets. Tijolinhos menores que os briquetes, eles são igualmente feitos de resíduos e geram energia quando são queimados. "Estamos fazendo um projeto para um cliente produzir mil toneladas de pellets por dia", conta Dilcio, que calcula o custo da planta em R$ 10 milhões. Ele diz que o destino da produção seria o mercado externo, já que os pellets são bastante usados para aquecer casas nos países frios, mas não têm demanda no Brasil.

A empresa é parceira da Unicamp no projeto "Gaseificação de Biomassa", coordenado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe). Em andamento desde dezembro de 2005, o projeto terá dois anos de duração e conta com recursos da Petrobras e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A gaseificação de biomassa, explica Dilcio, é um processo parecido com o que dá origem ao bioóleo, mas o produto final é um gás, queimado em motor para gerar energia. "O Nipe tem sido um órgão da universidade que está muito sensível à transformação da tecnologia em aplicações de mercado — ou seja, o que nós fazemos", diz ele.

Por conta de trabalhos como esse, os sócios da Bioware dividem-se entre o escritório da empresa, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas — onde fica também o campus da Unicamp — e o Laboratório de Combustíveis Renováveis, no IFGW. Na opinião de Dilcio, as empresas que nascem em incubadoras "estão condenadas, no bom sentido", a ter uma ligação com sua instituição de origem. Para ele, esse vínculo "é saudável" e ajuda a manter a empresa inovando.

A Unicamp não é a única parceira acadêmica da Bioware. Em abril, a empresa iniciou uma parceria com a Universidade do Oeste de Ontário (University of Western Ontario) e a empresa RTI, incubada na Universidade de Waterloo, ambas no Canadá. A Bioware mantém outra parceria internacional com um grupo da Universidade de Zaragoza, na Espanha.

Na Austrália, a Bioware tem contatos com as Universidades Monash e de Melbourne e com a empresa pública Csiro. Por se parecer com Brasil em termos de biomassa, Dilcio vê grandes chances de cooperação com o país. "Talvez o que tenha atrasado um pouco seja o fato de a Austrália não ser um signatário do Protocolo de Kyoto", observa. Aqui no Brasil, a Bioware vai testar o bioóleo em turbinas a gás junto com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP).

Nos cálculos dos sócios, a Bioware já participou de mais ou menos 40 eventos no Brasil e no exterior, entre feiras, congressos e workshops. As participações costumam render artigos de divulgação da empresa e de suas tecnologias. Artigos científicos em revistas de impacto mundial são cinco, segundo Pérez. "Temos plantado muito", completa Dilcio. "Nosso networking é fantástico, só falta transformá-lo em tangíveis. Mas estamos animados e não pretendemos fechar a empresa no curto prazo. As pessoas dizem que estamos no caminho certo."

Especificamente para a Bioware, Dilcio acredita que o período de incubação poderia ter sido mais longo que os três anos permitidos pela Incamp. "Quando começamos a empresa, éramos 100% pesquisadores", diz, lembrando que a transformação de um acadêmico em empresário é "profunda, gradual e individual". Administrar uma empresa, com as dificuldades inerentes a essa tarefa — manejar fluxo de caixa, lidar com funcionários e colaboradores, chegar aos resultados e faturamento esperados —, é muito diferente, segundo ele, de administrar projetos de pesquisa na universidade.

"Hoje, depois do tempo na incubadora e de um tempo fora dela, evoluímos bastante e temos uma consciência e formação de empresários que são inegáveis, e que não tínhamos anteriormente", destaca. "Costumo dizer que fizemos um MBA na prática — ou na marra." Os sócios afirmam que a saída da Incamp foi tranqüila, pois já sabiam a quem recorrer — ou seja, às pessoas que os ajudaram dentro da incubadora, com a diferença de que, fora dela, teriam de pagar pelos serviços.

Indústria se antecipa ao governo e estimula corte de emissão de CO2

19/06/07 - O setor industrial brasileiro adiantou-se ao governo federal e está prestes a assumir metas de redução da emissão dos gases do efeito estufa. Elas são voluntárias e não estabelecem valores mínimos de corte. Ainda assim, indicam mudanças na política ambiental nacional.

A proposta partiu de São Paulo, da Federação das Indústrias (Fiesp) e do Centro das Indústrias (Ciesp). Ela foi costurada em meses de debate e aprovada na semana passada na 1ª Conferência da Indústria Brasileira para o Meio Ambiente. É parte de um documento amplo, com princípios ambientais a serem incorporados pela indústria nos próximos anos, que segue para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) referendar.

Pelo documento, o setor se compromete a adotar medidas de mitigação de emissões de CO2 e outros gases, a integrar programas de mobilização da sociedade e a investir em pesquisa e inovação tecnológica focada em campos como eficiência energética e fixação de carbono. Também faz parte a busca por incentivos econômicos dentro de mecanismos de desenvolvimento limpo e a elaboração de novos inventários nacionais de emissões - o único feito tem informações coletadas de 1990 a 1994.

Não há metas definidas. Segundo o diretor do Conselho de Meio Ambiente da Fiesp, Nelson Pereira dos Reis, elas devem ser debatidas de acordo com a área de atuação e a região, em um movimento capitaneado pela CNI.

FUTURO

Pelo Protocolo de Kyoto, o País deve buscar formas de reduzir as emissões dos gases do efeito estufa, que se concentram na atmosfera e provocam o aquecimento global. Ao contrário dos países ricos, o Brasil integra o grupo que não precisa prestar contas de suas ações - e inações - à comunidade internacional.

Só que um programa nacional de mitigação nunca foi implementado. A falta de obrigações, somada à participação menor como fonte de emissão (menos de 20%) - comparada ao desmatamento e às queimadas (75%) - levou a indústria nacional a ignorar o tema por anos, apesar de o protocolo ter sido ratificado pelo Brasil em 2002.

O documento aprovado na semana passada mostra que o vento alterou seu rumo. “Dentro da questão de mudanças climáticas, o setor industrial deve ter uma participação ativa. Não cabe à indústria definir as metas, mas já demonstramos disposição de ir nessa direção”, afirma Reis.

Não que assumir metas mandatórias, nos moldes das válidas atualmente para nações desenvolvidas, seja uma realidade que a indústria prefira. “A empresa tem CNPJ e endereço. Na hora de reduzir as emissões, é mais fácil apontar nossa parte do que trabalhar com emissões difusas, do desmatamento e das queimadas, que são realmente as grandes fontes de gases-estufa do Brasil”, diz Reis.

O rumo é adiantar-se a um quadro que se delineia para o futuro, de o País assumir metas mandatórias quando acabar o Protocolo de Kyoto. Caso isso aconteça, o setor industrial já estaria passos adiante e o custo da adaptação teria sido amortizado ao longo dos anos. “A indústria antevê o risco e o transforma em oportunidade”, afirma o consultor Carlos Delpupo, diretor do Instituto Totum.

De quebra, satisfaz o consumidor mais exigente, que prefere empresas alinhadas com práticas socioambientais sustentáveis. “O caminho não pode ser só comando e controle, mas o incentivo a práticas sustentáveis e voluntárias, como ISO 14000 e busca de fornecedores que mostram boas práticas”, defende o diretor de Meio Ambiente da Ciesp, Mario Hirose.

MOEDA DE TROCA

Caso o setor industrial realmente apresente uma redução voluntária consistente, ela poderia ser usada como moeda nas mesas de negociação internacional. Somado a uma matriz energética “limpa”, baseada em hidrelétricas e etanol, esse seria um indicativo de que o Brasil faz, sim, sua parte - sem que cortes obrigatórios precisem ser adotados.

Porém, cresce um movimento internacional de que os países emergentes devem assumir metas a partir de 2013. Atualmente, as nações em desenvolvimento já respondem por quase metade das emissões, ainda que poluam há menos tempo do que os ricos concentrados no Hemisfério Norte.

O crescimento das emissões chinesas - projeções mostram que a China vai se tornar o maior emissor global de gases-estufa entre 2007 e 2008, ultrapassando os Estados Unidos - dá força a essa tendência. A União Européia está especialmente empenhada para que os emergentes sigam regras mais duras de controle de emissões.

O governo brasileiro tem se mantido refratário à idéia. No início do mês, durante reunião do G-8 em Heiligendamm (Alemanha), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que o Brasil não aceitará a pressão das nações ricas para que os emergentes estabeleçam metas de redução de emissão de gases-estufa. Segundo ele, os países ricos “precisam assumir a responsabilidade de ajudar a despoluir o planeta que eles poluíram”.

Ao mesmo tempo, o G-8 deixou claro que o debate será retomado nos próximos meses. O tema será um dos principais focos da próxima conferência das partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece em Bali, em dezembro.


Cristina Amorim
Fonte: O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Frio e seca ajudam a maturação e o corte da cana

Depois de 15 dias de muito frio e chuva, uma massa de ar seco sobre o Sudeste impediu a entrada de novas frentes frias, elevando a temperatura até 30 graus em Piracicaba, Garça e Votuporanga no fim de semana. Entre segunda e terça-feira, no entanto, a mínima ficou em torno de 5 graus em São Carlos, Iguape e Barretos.

Em Campinas choveu o suficiente para atender à demanda das culturas e elevar a umidade até a capacidade máxima de armazenamento. Nas demais localidades, contudo, a umidade do solo ainda é alta - acima de 70%. A condição hídrica é favorável à agricultura, mas a temperatura limita o desenvolvimento das pastagens tropicais, comprometendo a qualidade da forragem.

COLHEITA

O frio e a seca favoreceram a maturação da cana, elevando a concentração de açúcar no colmo. O clima também facilitou o corte e o transporte da cana para as usinas.

As lavouras de milho safrinha, sorgo e amendoim de Miguelópolis, Barretos, Florínea e Jaboticabal foram beneficiadas pela chuva bem distribuída durante o ciclo. Em parte das áreas, a colheita já começou e as condições para os trabalhos de campo e a secagem dos grãos são boas. A colheita do café também prosseguiu com condições favoráveis para a secagem dos grãos.

Os preços baixos preocupam os produtores de mandioca de Palmital, Mogi Mirim e Cândido Mota, que estão iniciando a colheita da safra com boa produtividade. Para os produtores de limão taiti a situação é inversa: a safra deste ano foi menor que o esperado e as indústrias de suco anteciparam o processamento, aumentando a demanda e os preços do produto.


Fábio Marin - pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária
Fonte:

Curiosidade: Imposto “PUUM”


O governo da Nova Zelândia, no esforço para cumprir as metas do Protocolo de Kyoto, pretende taxar os gases emitidos pelas vacas e ovelhas do país.
No mundo todo, 15% dos gases que contribuem para o aquecimento global vêm do gado.
No caso da Nova Zelândia, o metano das flatulências bovinas e de ovinos corresponde a 90% dos gases produzidos pelo país.
A verba arrecadada seria utilizada em pesquisas sobre esta flatulência.


Fonte: BBC NEWS - 20.06.2003

terça-feira, 12 de junho de 2007

Neutralização Alcoólica

A Neutralização Alcoólica trata-se de um pré-tratamento do óleo vegetal que vai ser utilizado no biodiesel. Normalmente, no pré-tratamento sai a borra, que vai ser utilizada na indústria de sabão. Mas há um adicional de borra indesejado. A neutralização alcoólica faz o pré-tratamento sem liberar borra e sem liberar água de lavagem. Não sobra resíduo, portanto é um método mais amigável ao meio ambiente.

Fonte: CIESP

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Biodiesel de soja é mais barato

A soja é a matéria-prima mais viável para a utilização imediata na produção de biodiesel. Segundo uma pesquisa realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba (SP), a estrutura da produção, distribuição e esmagamento dos grãos torna seu uso vantajoso. O estudo permitiu verificar que o preço do biodiesel com essa matéria-prima comprada no mercado variou entre R$0,902 por litro, na região Norte, e R$1,424, no Sul do Brasil.A pesquisa estimou o preço do litro do combustível em cinco regiões do País com a utilização da oleaginosa e também de girassol, mamona, dendê e caroço de algodão, para unidades com produção de 34.800 litros por ano. Segundo o pesquisador Mauro Osaki, da Esalq, no Nordeste a matéria-prima mais barata para produção do combustível é o caroço de algodão, que levaria a um custo de R$0,712 por litro.“A oferta, porém, depende da demanda pela produção de fibras, de onde se origina o resíduo de algodão usado na elaboração do biodiesel”, explica Osaki. “O preço da soja estava baixo também devido à queda da cotação no mercado internacional e a desvalorização do dólar”.De acordo com o pesquisador, o óleo de girassol é o que tem mais potencial para uso em biodiesel. “Comprando a matéria-prima, o litro do combustível custaria R$0,859 no Sudeste e R$0,889 no Sul do Brasil”, Na região Centro-Oeste, que possui clima mais favorável, se o plantio fosse incorporado à cadeia produtiva do biodiesel, o preço do litro seria de R$1,034.”AlternativasOsaki ressalta, porém, que o girassol precisará de um investimento a longo prazo em pesquisa de sementes, tecnologia de plantio e logística de distribuição para ampliar a escala de produção.”O governo deve investir em um plano de oferta de oleaginosas para evitar a dependência de uma única fonte”, explica. “No Centro-Oeste, por exemplo, seria possível fazer a colheita da soja no verão e, do girassol, na ’safrinha’, gerando oferta de duas oleaginosas no primeiro semestre.”O pesquisador alerta que a mamona, planejada para ser fornecida por meio de cultivos familiares no Nordeste, ainda possui um custo de produção elevado. “A produção é barata, mas o cultivo na região ainda é em pequena escala e com baixa produtividade, o que elevaria o preço do litro de biodiesel para R$1,585″, calcula.Nos últimos cinco anos, a média de produção nordestina foi de cerca de 672 quilos de óleo por hectare, enquanto em São Paulo é de 1,7 tonelada por hectare. “Os óleos de mamona, dendê e amendoim são considerados nobres e vendidos mais para consumo humano, o que encarece seu valor de mercado”, relata Osaki.

O uso de amendoim no Sudeste do Brasil faria o litro do biodiesel custar R$1,874 e a compra de mamona fora da cadeia de produção no Nordeste levaria a um preço estimado de R$2,219 por litro. “Além de melhorar a produtividade das matérias-primas existentes, é necessário pesquisar o potencial de outras espécies, como o pinhão-manso nordestino.”


Artigo por Júlio Bernardes da Agenusp
do Blog Opina Brasil

"Nem tudo está perdido"

Luiz Gylvan Meira Filho colaborou com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas durante 11 anos e foi vice-presidente do órgão, vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) De repente a humanidade abriu os olhos para o que já parecia evidente e vinha sendo anunciado há mais de uma década. Por causa do homem, o planeta está mudando. E, se não fizermos algo a partir de agora, a vida ficará inviável no futuro. Desde que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), voltou a divulgar este ano que os gases estufa emitidos nos últimos dois séculos provocaram a mudança do clima na Terra, o tema virou ordem do dia. Apesar do alerta apocalíptico, ainda há espaço para otimismo.

Para o astrogeofísico Luiz Gilvan Meira Filho, 65, que colaborou com o IPCC durante 11 anos e foi vice-presidente do órgão, a mudança do clima acontece de forma gradual e o homem pode aproveitar os próximos anos para fazer algo para contornar a situação. Um dos mais conceituados cientistas do País, o pernambucano rejeita o tom de pânico propagado pela mídia. "O panorama é preocupante, mas muita gente passou a discutir o problema após o alerta. A sociedade vai superar o aquecimento global", diz o especialista, em entrevista por telefone.

De acordo com Meira Filho, no entanto, o custo da solução será alto. Dentro de três ou quatro décadas, os países terão que reduzir pela metade a produção de gases como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, que se acumulam na atmosfera e favorecem o efeito estufa, impedindo a saída de calor para o espaço. Diminuir as emissões de carbono, avisa o cientista, é nossa única alternativa e o nosso maior desafio.

Meira Filho não se alinha à corrente dos apocalípticos, porém defende que a redução da produção de gases poluentes passa pela regulamentação por parte dos governos de metas a serem cumpridas pelas indústrias. "O mercado sozinho não vai resolver o problema", assegura o cientista. Mas ele também credita importância ao papel do cidadão comum. "A gente pensa que nossas ações não fazem diferença, mas o resultado multiplicado por milhões de outras pessoas que fazem o mesmo será decisivo para o planeta". O recado foi dado: está em jogo o futuro das próximas gerações.


O POVO - Os relatórios apresentados este ano pelo IPCC passaram a relacionar de forma mais contundente o aquecimento global à influência do homem. Por que antes não havia essa certeza?
Luiz Gylvan Meira Filho - O aquecimento global está sobreposto a uma variabilidade natural. Enquanto o aquecimento era relativamente pequeno comparado com a variabilidade natural, era difícil detectar a mudança de clima de forma inequívoca. Agora, com o aumento da temperatura média mundial, que já está em cerca de 0,7º C no último século, mesmo com a presença da variabilidade natural, dá para ver a diferença de forma muito clara. Além de os modelos matemáticos serem melhores, a principal razão é porque a temperatura média mudou mais exatamente no mesmo período em que o homem passou a jogar mais gases estufa na atmosfera.

OP - Qual é a porcentagem de certeza dos cientistas de que o clima no planeta está mudando por influência do homem?
Meira Filho - A incerteza é de apenas cerca de 5%. Praticamente não há mais duvida em relação a isso.

OP - Existe motivo para pânico?
Meira Filho - Acredito que não. Pânico é mais apropriado para casos de desastres mais iminentes, que irão ocorrer nas próximas horas. A mudança de clima ocorre de forma lenta e o homem pode aproveitar os próximos anos para fazer algo a respeito, sem pânico.

OP - É preciso diminuir a que nível as emissões de carbono?
Meira Filho - É necessário cortar pela metade as emissões globais de carbono. Sabemos que uns países produzem mais emissões que outros, mas o país de onde vem as emissões é completamente irrelevante. O mundo precisa cortar pela metade, em umas poucas décadas, no máximo 30, 40 anos, porque senão ficará praticamente impossível segurar o processo de aquecimento global depois. Isso implicará em uma menor produção de riquezas, mas é o preço a se pagar.

OP - O senhor acha que o mercado reduzirá as emissões de carbono se limites não forem estabelecidos pelos governos?
Meira Filho - Pela própria lógica do mercado, o que dá valor ao comércio de carbono, a venda da tonelada de carbono, é a regulamentação por parte dos governos, é a exigência dos governos de que se limite as emissões de gases estufa. É só no momento em que isso ocorre é que as empresas passam a se preocupar em diminuir as emissões de carbono, porque sabem que terão uma contrapartida financeira interessante. A regulamentação dos governos é absolutamente necessária. O mercado sozinho não vai resolver o problema.

OP - No início da década, os Estados Unidos não queriam admitir a responsabilidade humana no aquecimento global e, hoje, já existem governos como o da Grã-Bretanha cogitando diminuir as emissões de carbono em até 60% num futuro próximo. O que influenciou este avanço tão rápido?
Meira Filho - As evidências científicas, fundamentalmente. Embora já se soubesse do problema desde 1971, quando saiu o primeiro estudo a respeito, o que ocorria antes era que não se podia perceber a mudança de clima. Mas agora dá para ver de forma inequívoca. Os governos, uns antes dos outros, sem a menor dúvida, levarão essa discussão à diante, tomarão providências diante das evidências científicas. A Inglaterra tem exercido um papel muito importante de liderança mundial em reconhecer o que está nos relatórios, entendendo que é preciso cortar as emissões pela metade. Ela se propõe a cortar mais do que a metade, até para permitir acomodar o crescimento de alguns países que precisam fazer com que suas emissões aumentem.

OP - Estima-se que 75% das emissões de carbono no Brasil são fruto das queimadas na Amazônia. O senhor percebe alguma movimentação do governo brasileiro para combater isso?
Meira Filho - A solução real de médio prazo não é só combater o desmatamento em si, mas todo um processo de organização do uso do solo em todo o Brasil. É uma questão de planejamento. Não é uma tarefa fácil, pois na nossa república federativa há competências da União, dos governos estaduais, dos municípios. Se houver uma conscientização dos governos, esse processo será acelerado nos próximos anos.

OP - A criação de mais zonas que não pudessem ser exploradas ajudaria?
Meira Filho - O Brasil já tem cerca de 15% da área da Amazônia legal na forma de reservas, em que não se pode tocar, por uma razão ou outra. Pouco mais de 15% já foi desmatado, dos quais cerca de 30% foram abandonados e poderiam ser reflorestados. Quanto aos 60 e tantos por cento restantes, o que se tem que fazer é um zoneamento com adoção de políticas que induzam ao desenvolvimento social e econômico sustentável da região sem tanto desflorestamento. Isso não é fácil, dá trabalho, mas é perfeitamente possível.

OP - O Brasil sempre foi visto como um lugar imune a catástrofes ambientais como furacões, como vemos em outros países. Essa situação pode mudar com o aquecimento global?
Meira Filho - Não, nós nunca chegaremos ao ponto de termos furacões como no Oceano Atlântico, que afetam os Estados Unidos, ou tufões, como no Pacífico e no Índico. Mas teremos alguns fenômenos meteorológicos mais severos, como conseqüência da mudança do clima.

OP - Quais tipos de fenômenos?
Meira Filho - O exemplo daquele pequeno furacão que atingiu Santa Catarina, apelidado na época de Catarina, aparentemente já é um indício da modificação da freqüência e intensidade de fenômenos meteorológicos severos. É impossível dizer com certeza como será no futuro com a amostra de um caso somente, mas o tempo dirá se o Catarina confirmará uma efetiva influência da mudança do clima sobre este tipo de fenômeno.

OP - As secas que vêm ocorrendo na Amazônia desde 2005 também podem ter relação com o aquecimento global?
Meira Filho - Da mesma forma, é um problema estatístico, pois a amostra ainda é muito pequena. Com o correr do tempo, veremos. Um exemplo interessante foi o que aconteceu com os furacões no Golfo do México. O mundo inteiro passou a perguntar se o Katrina, responsável pela tragédia de Nova Orleans, já teve algo a ver com a mudança do clima. A resposta correta é "não sei", porque foi um único caso de graves proporções. Mas estudos estatísticos durante 30 anos mostraram claramente que a intensidade média dos furacões no Atlântico aumentou devido à mudança do clima.

OP - Por que a elevação do nível do mar em alguns milímetros por década, conseqüência do degelo que vem acontecendo com o aquecimento global, afeta tanto o desequilíbrio do planeta?
Meira Filho - Se você morar num delta muito baixo, como Bangladesh, um aumento do nível médio do mar em dez centímetros que seja já vai determinar o alagamento de uma extensão de vários quilômetros. Na Baixada Santista, o sistema de esgoto e galerias pluviais tem um declive muito pequeno. Então, um pequeno aumento do nível do mar vai exigir um trabalho de engenharia para mudar o sistema de esgoto. É claro que, se você morar perto do mar em uma região escarpada, já existirá uma diferença a seu favor.

OP - Alguns pesquisadores dizem que o relatório do IPCC foi até conservador diante do quadro que temos no planeta. O quê, por exemplo, foi deixado de fora por falta de dados conclusivos?
Meira Filho - Os relatórios do IPCC são revisões feitas por cientistas de artigos publicados em revistas científicas. É evidente que, numa ciência experimental, nem todos os artigos científicos publicados estão completamente de acordo entre si. Como o processo envolve muitos cientistas, não acho que o relatório é conservador, pois ele reflete um certo consenso entre os cientistas.

OP - O senhor se enquadra no grupo dos pesquisadores que tem uma visão apocalíptica ou otimista em relação ao aquecimento global?
Meira Filho - A visão apocalíptica é até interessante, mas acho que não se aplica. O ser humano tem o poder de arbítrio e não se conhece nenhuma espécie na natureza que tenha tendência de cometer suicídio coletivo. Tenho certeza de que, suficientemente bem informada sobre esse problema que é relativamente complexo, a humanidade saberá tomar medidas para que o aquecimento não ocorra de forma tão severa.

OP - Quais são as alternativas de utilização de energia limpa que contribuam para evitar o aquecimento global?
Meira Filho - No Brasil, o uso crescente dos chamados biocombustíveis é uma ótima alternativa. Temos o etanol, o biodiesel e o carbono vegetal renovado, vindo de árvores plantadas. No Ceará, em particular, o potencial de energia eólica é grande, por causa dos ventos alísios. Varia muito de um país para outro, de um lugar para outro. Não há uma solução mágica única, mas o Governo precisa ficar atento pois o uso dessas alternativas será necessário em breve.

OP - O potencial de energias renováveis no Brasil é bem aproveitado?
Meira Filho - O Ceará, por exemplo, foi pioneiro em utilização de energia eólica no Brasil. Não é o lugar ideal para o trabalho com cana de açúcar, mas para biodiesel sim. Só precisa se adaptar às peculiaridades e condições do clima e do solo de cada região. O Ceará pode ter um importante papel na consolidação dos biocombustíveis. À medida que houver uma regulamentação no País, o esforço das empresas em investir em produção e utilização de energias renováveis terá que ser premiado pela sociedade como um todo, por meio de incentivos econômicos.

OP - Dentre as possibilidades de outros tipos de energia que podem ser usadas pelo homem, o senhor é a favor do uso de energia nuclear?
Meira Filho - A utilização de energia nuclear será necessária ao mundo. É uma questão de se encarar friamente três questões associadas à energia nuclear que precisam ser abordadas: o que se fazer com os resíduos radioativos; a segurança dos reatores, para se evitar acidentes; e a proliferação do uso indevido da substância radioativa para se fazer coisas que a sociedade condena. Há um programa internacional envolvendo reatores de 4ª geração que busca desenvolvimento de reatores que resolvam de maneira melhor essa necessidade de energia. O Brasil, inclusive, faz parte desse programa. Eu sou a favor da decisão de dar continuidade à usina de Angra III. Mas a questão de custos é problema que o governo tem que analisar.

OP - O que o cidadão comum pode fazer em casa para contribuir para a diminuição das emissões de carbono?
Meira Filho - Usar mais transporte coletivo e prestar mais atenção ao consumo de energia são dois pontos básicos. O cidadão comum que tem interesse em deixar o que a gente chama de legado ambiental para as próximas gerações tem um poder enorme. A gente pensa que nossas ações não fazem diferença, mas o resultado multiplicado por milhões de outras pessoas que fazem o mesmo será decisivo para o planeta. Por isso, é muito importante informar e conscientizar a população em fazer pelo menos o mínimo para colaborar com o meio ambiente.

OP - Dá para ter esperanças no futuro?
Meira Filho - Sem a menor dúvida. O panorama é preocupante, mas nota-se que muita gente passou a discutir o problema após o alerta do IPCC. A sociedade pode estar mal informada, até porque o problema é complexo, mas acredito que, com as informações divulgadas pela imprensa, ela passará a ter mais cuidados com o que pode fazer em casa e passará a cobrar dos governos que se regulamente limites nas emissões de carbono para contornar a mudança do clima.


PERFIL

Doutor em astrogeofísica pela Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, o pernambucano Luiz Gylvan Meira Filho, 65, nascido em Olinda, graduou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Colaborou com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU) durante 11 anos, chegando a co-presidente do Grupo de Trabalho Científico e vice-presidente do órgão. Foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde se aposentou como pesquisador titular, tendo atuado em vários cargos de chefia e direção. Também foi presidente da Agência Espacial Brasileira, entre 1994 e 2001, tendo em seguida assumido o cargo de secretário de Políticas e Programas de Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia. Atualmente, é pesquisador visitante da área de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).


DICIONÁRIO

Gases estufa - São responsáveis pelo fenômeno do efeito estufa, o aquecimento da Terra devido à absorção, reflexão e reemissão de radiação infra-vermelha pelas suas moléculas contidas na atmosfera. São eles: dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O), metano (CH4), hidrofluorcarboneto (HFC), perfluorcarboneto (PFC) e hexofluor sufuroso (SF6).

Comércio de carbono - Negociações que passaram a valer com o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em 2005 e estabeleceu que países desenvolvidos reduzam em 5,2% as emissões de gases do efeito estufa até 2012. Empresas com uso de energias renováveis em países subdesenvolvidos ganham créditos de carbono, que podem ser revendidos aos países ricos.

Katrina - Um dos furacões mais destrutivos registrados até hoje nos Estados Unidos, atingiu a região litorânea do sul do país, especialmente em torno de Nova Orleans, no dia 29 de agosto de 2005. Causou cerca de mil mortes e prejuízos de cerca de US$ 2 bilhões.

Catarina - Primeiro furacão registrado no Atlântico Sul, atingiu o sul de Santa Catarina e o nordeste do Rio Grande do Sul nos dias 27 e 28 de março de 2004, causando destruição em várias cidades.

Biocombustíveis - São fontes de energias renováveis, derivados de produtos agrícolas como cana-de-açúcar, plantas oleaginosas, biomassa florestal e matéria orgânica. Como exemplos, temos o biodiesel, etanol, metanol, metano e carvão vegetal.

Ventos alísios - São ventos que ocorrem durante todo o ano nas regiões tropicais, resultado da ascensão de massas de ar que convergem de zonas de alta pressão, nos trópicos, para zonas de baixa pressão, no Equador, formando um ciclo.

Reatores de 4ª geração - Modelo avançado de reator para geração de energia elétrica, aproveitará rejeitos produzidos por reatores convencionais, fechando o ciclo do combustível nuclear. Fruto de consórcio internacional, deverá estar disponível em 2030.

Angra III - Usina nuclear em construção na cidade de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, está com obras paralisadas desde 1986. A estimativa do Governo é de que sejam necessários R$ 7 bilhões para finalizá-la.

Fonte:

quarta-feira, 6 de junho de 2007

A alternativa da alternativa

Depois de tentarem colocar óleo vegetal in natura nos tanques de caminhões e colheitadeiras, os agricultores do interior do país agora apostam na construção de usinas de biodiesel próprias. O negócio é válido e legal. Mas e se começam a vender o biodiesel para seus vizinhos?

As luzes que parecem flutuar na escuridão das noites dos campos do interior do Mato Grosso podem ser facilmente confundidas com barcos de pesca. A questão é que o mar ali é de soja, milho e algodão. O trabalho à noite só mostra porque a produtividade agrícola da região está entre as mais altas do mundo.

As colheitadeiras e máquinas agrícolas trabalham os campos dia e noite. Podem ser considerados a síntese do sucesso da explosão agrícola, dos saldos positivos da balança comercial e até da fertilidade da terra deste país que é elogiada desde os tempos de Pero Vaz de Caminha.

Falta pouco para que aquelas máquinas também sejam consideradas o símbolo do sucesso do programa do biodiesel. Aqui começa uma história cercada de ironias. Finas ironias que não podem ser encontradas em qualquer lugar.

Para quem vai até os três municípios que são as estrelas do agronegócio de grãos brasileiro, a chance de ver o biodiesel em ação é imensa. Difícil, na verdade, é não topar com o biodiesel em Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum. Naquela região, as fazendas são medidas pelo menos em centenas de hectares e, não raro, aos milhares. Ali toda a produção é mecanizada. É fácil encontrar propriedades de 800, mil hectares cultivadas por uma família de cinco ou seis pessoas com a ajuda das máquinas. Todas elas movidas, originalmente, a diesel.

Para transformar a terra em um mar de soja, milho, ou algodão, é necessário um rio de diesel. Cerca de 50 litros de combustível por hectare por safra. Aqui é importante lembrar que no coração do Mato Grosso é comum a colheita de duas safras por ano.

A união de mecanização com grandes áreas coloca o preço do combustível no alto da pauta de preocupações dos agricultores. Não é sem razão, portanto, que coisas estranhas começaram a acontecer nos motores daquelas máquinas imensas quando o preço da soja caiu de R$ 28,67 por saca em 2003 para R$ 18 por saca neste ano, ao mesmo tempo em que o custo com diesel por hectare saltou de R$ 60,2 para R$ 96,75.

A primeira reação dos agricultores foi adicionar - fazer um blend - de óleo de soja com diesel. Ao preço aproximado de R$ 1 por litro e considerando-se uma mistura de 50%, a economia potencial para cada mil hectares plantados é de 25%. Levando-se em conta que o diesel nesta região custa R$ 2, a economia chega aos R$ 25 mil, por safra. Logo que surgiu a idéia, parecia ser uma ótima saída, mesmo na ponta do lápis, avalia Fernando Chaparro, presidente do Sindipetróleo-MT.

Contudo, a economia para muitos dos agricultores que optaram por esta alternativa foi bem menor. Os problemas nos motores das máquinas agrícolas foram sérios. Uma borra de óleo formava-se sobre as cabeças dos pistões, imobilizava os anéis e fazia com que os motores começassem a bater em um curto espaço de tempo.

"Para mim foi a melhor coisa que aconteceu no ano passado", diz Artemio Heidmann, dono da mecânica A. H. Diesel de Nova Mutum. Segundo Artemio, foram pelo menos 50 motores que passaram pela oficina devido aos problemas gerados pelo uso de óleo vegetal misturado ao diesel.

Segundo o mecânico, o glicerol presente nos óleos vegetais impregnava os motores internamente. O aumento da taxa de compressão causado pelo combustível fazia com que a pressão vazasse e impregnasse o óleo do cárter tornando-o gelatinoso e, em alguns casos, fundindo o virabrequim. Outros problemas também foram registrados como entupimento de bicos e bombas injetores e troca do filtro com freqüência bem maior.

Fazendo cálculos precisos, um motor que recebesse óleo vegetal e apresentasse problemas rendia, pelo menos, uma fatura de R$ 8.000 para seu proprietário. Neste caso, a economia ainda faz sentido porque estamos falando de apenas um motor com um problema simples. Mas multiplique isso por dois ou três e a economia vai para o espaço. Se o defeito for mais grave, a conta do conserto de apenas um motor pode ficar em algo entre R$ 15.000 e R$ 20.000, incluindo peças e serviços.

As despesas com a mecânica fizeram com que os agricultores repensassem o uso do óleo vegetal. Um leve aumento da cotação da soja – e, portanto, do óleo - fez com que, ao menos no Mato Grosso, a situação mudasse radicalmente. Mas para muitos a saída encontrada não foi, como poderia-se imaginar, o retorno ao diesel mineral fornecido tradicionalmente pelos TRRs da região.

Uma boa parcela dos agricultores decidiu apostar no biodiesel. O preço é comparativamente maior do que o do óleo vegetal, mas em compensação era possível dormir tranqüilo. Ninguém precisava se preocupar se alguma das máquinas iria parar devido a problemas mecânicos causados pelo óleo vegetal.

Desta vez a opção foi mais racional, pois dependia de investimentos. Assim tinha que ser porque o biodiesel não estava disponível tão facilmente quanto o óleo de soja. Seria necessário realizar investimentos, montar a linha de produção. De qualquer forma o ambiente parecia bastante propício. Matéria-prima abundante, petróleo em valor elevado e, logo, fretes e preços de combustíveis elevados tornaram o ambiente competitivo para a produção.

Aqui surge a primeira ironia. Entre os primeiros beneficiados do uso do biodiesel está a agricultura familiar. Mas não exatamente aqueles agricultores que o programa do biodiesel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia beneficiar. São agricultores familiares que, como já se disse, trabalham muito, mas felizmente têm capital para aplicar tecnologia à cultura e assim conseguir uma boa renda. Os mesmo agricultores que se mobilizaram em protesto, fecharam estradas e queimaram antigos tratores para protestar contra a política agrícola do governo Lula.

A segunda ironia vem logo na seqüência. O biodiesel não foi instrumento de receita para as famílias, embora não se possa negar que ele foi capaz de aumentar a receita.

Claro que o investimento não foi feito na base de uma fazenda, uma usina. Nem poderia ser devido ao alto valor.

Mas em Sorriso, com cerca de 650 mil hectares de área agrícola, as usinas em produção e em construção devem garantir um suprimento de 50 mil litros por dia de biodiesel, segundo o secretário de indústria e comércio do município, Alei Fernandes. O município até doou terreno para instalação de usinas.

Na verdade, isso significa um potencial de produção de 1,5 milhão de litros por mês, num local onde a principal atividade econômica consome, em média, 2,7 milhões de litros por mês. A conquista de 55% do mercado desta microrregião em 12 meses pelos produtores de biodiesel só pode ser atrapalhada por fatores como a queda do preço do diesel ou a valorização de todas as diversas matérias-primas que podem ser usadas para fabricação do combustível renovável.

Ah, os tributos...

Os problemas do campo e a conjuntura do mercado internacional de petróleo, assim como a política de preços da Petrobras são apenas uma parte da equação que viabiliza o biodiesel em Mato Grosso.

O outro lado da fórmula está baseado sobretudo na questão tributária. Mesmo com o barril de petróleo a US$ 70, o custo de produzir e distribuir o diesel mineral é menor do que o de produzir o biodiesel. A equação se torna viável a favor do combustível de origem vegetal quando ele é vendido sem nota enquanto o diesel é tributado.

Tome-se como exemplo os dois últimos leilões da ANP. Realizados no dia 12 de julho, a compra do governo fechou a R$ 1,76 por litro. Um valor bem superior ao do derivado de petróleo na refinaria, em torno de R$ 1,14 no Rio de Janeiro, onde fica a sede da ANP, ou mesmo os R$ 1,18 para o Mato Grosso.

Para os mercados mais distantes percebe-se que trata-se de um concorrente de peso para bagunçar o mercado normal, quando se soma os demais impostos e custos e margens de distribuição, transporte e revenda.

Segundo Jaudenes Vanzella, um dos produtores de biodiesel de Sorriso, ele é capaz de produzir cerca de 3.000 litros de biodiesel em um dia por cerca de R$ 1,30. Isto com uma usina de processo metílico (que usa o metanol e não o etanol como ingrediente) com baixo índice tecnológico. É de se supor que outros fabricantes com capital maior possam reduzir isso sensivelmente ao mesmo tempo em que aumentam a qualidade do produto final. No Mato Grosso, a compra de biodiesel sem nota parece ser um ótimo negócio, mesmo que o biodiesel saia por algo entre R$ 1,80 e R$ 1,90 o litro. Trata-se de uma economia de 10% a 20% no custo com combustíveis que não pode ser desprezada. Obviamente vale lembrar que as despesas mecânicas serão bem menores. Segundo o próprio Heidmann, da retífica de Nova Mutum, ele acompanha uma caminhonete que já rodou 70 mil quilômetros no biodiesel sem qualquer problema decorrente do combustível para o motor. As pequenas avarias, quando ocorrem, não são exatamente iguais às relacionadas ao diesel mineral, mas se equivalem em custo e, em alguns casos, até são vantajosas para o produto de origem vegetal. O mecânico também acompanha um motor estacionário com 2.000 horas de uso sem qualquer tipo de problema em relação ao combustível de origem vegetal.

Outro ponto importantíssimo é a questão da matéria-prima que será usada para produzir o biodiesel. No Mato Grosso, a soja foi usada devido à queda dos preços. Contudo, esta vantagem desaparece quando a saca entra numa faixa de R$ 20 a R$ 22.

No Mato Grosso, isso poderá ser compensando com inúmeras alternativas. O fato de a região ser capaz de produzir duas safras por ano também ajuda. Na chamada safrinha (mais curta do que a safra normal), pode-se plantar girassol. Enquanto a soja rende 540 quilos de óleo por hectare, o girassol rende 630. Também é possível usar o sebo de boi dos frigoríficos da região. O sebo de boi é visto como uma matéria-prima de grande potencial para a fabricação de biodiesel. Outra alternativa seria usar o óleo extraído do caroço do algodão. O objetivo final das plantações de algodão da região é a pluma, para a indústria têxtil. O caroço atualmente tem o preço em baixa e, além disso, requer um alto custo de frete para ser enviado para as esmagadoras localizadas em São Paulo e Paraná. É interessante notar que esses dois últimos casos agregam valor a um sub-produto.

Com isso, o que muitas vezes era um item com baixo faturamento e, em alguns casos até de despesa, torna-se um produto de alto valor agregado. Na pior das hipóteses, matéria-prima para a produção de combustível.

Neste cenário é fácil imaginar que surjam dois mercados principais para o biodiesel. Um deles será o formado para o auto-consumo. Esta possibilidade foi aberta pelo decreto 5.448 de 2005, que permitiu que empresas e particulares produzam biodiesel para consumo próprio sem a necessidade de restringir o potencial da mistura.

Com cerca de R$ 300 mil em investimentos é possível montar uma usina com capacidade para produzir cerca de 3.000 litros por dia pelo processo metílico, que como o nome indica usa o metanol e é mais simples do que a produção com etanol devido à quantidade de água residual. Para uma usina com capacidade de 15 mil litros por dia e uma extrusora para esmagar os grãos, o valor de instalação sobe para R$ 916 mil.

O outro mercado, ou a outra parcela de mercado, será formada pelas empresas interessadas em vender para as distribuidoras diretamente, ou para o governo por meio dos leilões da ANP.

Um ponto sensível é que a instalação de uma usina de biodiesel é relativamente simples. Devido à burocracia e aos custos relacionados não é difícil imaginar - aliás nem é preciso, pois é algo que já vem ocorrendo - que surjam empresas produtoras que não se registrem na ANP.

Isto é outra questão relevante. Teoricamente existiria uma barreira regulamentar para as pequenas usinas, pois cada leva de biodiesel deve ser testada para determinar se os critérios técnicos se encontram dentro das especificações do órgão regulador. Como o custo da análise é muito alto, isto teria impacto direto para o produtor. O processo de fabricação do biodiesel no Brasil ainda não está totalmente dominado. Prova disso é que novas técnicas ainda são testadas para melhorar a produtividade, como a do professor da Universidade Federal do Mato Grosso Paulo Teixeira de Souza Jr. que está desenvolvendo uma técnica mais avançada a partir de microondas.

De qualquer forma, mesmo nas pequenas usinas o padrão de qualidade do biodiesel fica muito próximo do requerido da ANP. Alguns produtores conseguem atingir o nível exigido pela norma técnica na maioria dos quesitos. Sem estrutura para se regularizar, elas podem preferir ficar à margem do grande mercado, mas com um produto competitivo localmente em função do custo da matéria-prima.

A variação de matéria-prima, como pode ocorrer em algumas regiões, a exemplo do próprio Mato Grosso, é um agravante para o produtor, pois cada matéria-prima produz um biodiesel com características diferentes.

O óleo de soja, por exemplo, tem uma tendência maior à oxidação, informa o gerente da divisão de biocombustíveis do Tecpar (Instituto Tecnológico do Paraná), Bill Jorge Costa. Neste caso, é necessário adicionar um antioxidante para que o produto mantenha suas características por mais tempo. Já o óleo de mamona apresenta uma viscosidade maior, em relação aos demais. No entanto, quando misturados ao diesel mineral essas imperfeições tendem a ser eliminadas.

Lidar com o biodiesel representa um desafio não só para os pequenos. Os grandes produtores estudam como armazenar o combustível sem que ele perca suas qualidades ao longo do tempo.

Outro fator que influencia na adoção do biodiesel é o tamanho das propriedades rurais. Em Lucas do Rio Verde, por exemplo, o uso do biodiesel e do óleo vegetal foi menos intenso que nos municípios vizinhos. Segundo Vilson Kirst, proprietário do posto e TRR Ciriema, não se sabe ao certo por que o uso do biodiesel e mesmo do óleo vegetal foi menor do que em Sorriso e Nova Mutum. Mas uma das explicações possíveis pode ser que as propriedades rurais são menores, o que acaba limitando a capacidade financeira dos agricultores. Com isso aumenta a aversão ao risco, pois um problema em uma máquina pode prejudicar o trabalho e a lucratividade de toda a safra.

Mas em Lucas também se usou óleo vegetal. Kirst diz que tem clientes que ainda estão misturando o óleo. "Como aqui se usou pouco, minha maior preocupação em relação aos clientes que usam é se eles vierem questionar a qualidade do combustível que eu vendo", avalia.

Este é um problema potencial e latente, mas cujos danos aos revendedores de combustível devem ser limitados. O uso do óleo de soja nos motores não passa em branco pelos mecânicos que apontam facilmente a origem do problema. Outros danos maiores deverão ser ocasionados pela entrada do biodiesel no mercado.

Na conta de quem

Segundo dados de fevereiro da ANP, a agricultura e os TRRs foram o destino de 470 mil metros cúbicos de diesel, algo como 16% do consumo mensal. Empresas de transporte consumiram mais 455 mil metros cúbicos.

Com potencial de perda de uma parcela dessas vendas no campo e de uma fração bem menor entre as transportadoras que atendem as regiões agrícolas, fica claro quem serão os principais perdedores caso a entrada do biodiesel no mercado se mantenha atabalhoada. Distribuidoras, governos e TRRs serão os maiores prejudicados. A grande questão é que não é possível imaginar qual será o volume de biodiesel que irá entrar no mercado brasileiro como um todo. O que se sabe é que a meta obrigatória para o B2 deve ser cumprida com folga, considerando-se apenas os produtores autorizados e os requerimentos que esperam a aprovação da ANP (veja box).

A tributação do biodiesel pelos Estados será praticamente obrigatória para aqueles que têm forte dependência da arrecadação nos combustíveis e condições favoráveis de produção devido ao baixo custo da matéria-prima e alto valor do frete para entrega de combustíveis derivados do petróleo.

Isto irá requerer também um grande esforço de fiscalização por parte desses Estados, preferencialmente, em conjunto com ANP e outros órgãos interessados, como os ligados ao meio ambiente.

Os TRRs também serão prejudicados como já foram pela adição de óleo vegetal ao diesel mineral. Afinal, uma questão colocada por Kirst, de Lucas do Rio Verde, faz todo o sentido em relação às fabriquetas de biodiesel: "Como que fica se o cara começar a vender para o vizinho?".

Para as distribuidoras é mais uma forma de concorrência desleal que deve ser controlada. "Na economia informal, essas empresas parecem ser muito eficientes, mas na hora em que elas são trazidas para a formalidade percebe-se o quão ineficientes e prejudiciais ao mercado elas eram", avalia Alísio Vaz, superintendente do Sindicom.

Fontes da ANP crêem que as pequenas usinas de biodiesel terão um impacto pequeno no mercado em geral. A coisa pode ser bem diferente caso a dinâmica do óleo de soja no diesel se repita na mesma intensidade.

O uso de óleo de soja misturado ao diesel é uma grande lição do que pode ocorrer no mercado em um curto espaço de tempo. O volume usado foi tão grande - em algumas regiões ainda se pode dizer que o consumo é alto - que afetou a venda de diesel de maneira significativa. Em um primeiro momento, a queda foi atribuída à crise no agronegócio. Esta é uma resposta incompleta. Pelas declarações de revendedores e agricultores do Mato Grosso e Paraná, o uso foi totalmente disseminado. Daí pode-se concluir que boa parte da queda da venda de diesel deveu-se ao consumo de óleo vegetal.

Prova disso é que o consumo de diesel no Mato Grosso caiu 18% no acumulado de até abril de 2006. Na média brasileira o consumo caiu 1,9% no mesmo período. No Mato Grosso do Sul a queda foi de 8,2%, enquanto no Rio Grande do Sul foi de 0,8% e no Paraná foi de apenas 0,5%. Segundo um revendedor do Mato Grosso que falou sob a condição de anonimato, ele vendia carretas de óleo vegetal a pedido dos agricultores. "Ou fazia isso, ou não vendia", afirma. Proprietário de TRR, os negócios neste segmento estão praticamente parados agora que o óleo de soja começou a sair de cena. No Paraná ainda se usa mais óleo vegetal, mas as vendas também estão em queda.

No Mato Grosso a crise é tão brava que para alguns a solução é ver oportunidades no biodiesel. Para Laércio Chorro de Araújo Estrela, diretor de rodovias do norte de Mato Grosso, do Sindipetróleo-MT, o biodiesel pode ser uma oportunidade para os revendedores daquela região. A questão, no momento, é o risco envolvido na atividade. "Os primeiros a entrar ou arrebentam de ganhar dinheiro, ou racham", avalia. "Mas aqui para a região pode ser uma alternativa colocar o biodiesel para vender em um dos postos que tenho". Uma das revendas de Laércio está localizada a pouco mais de um quilômetro da planta de produção de Vanzella. Ambos estão em lados opostos da questão. Na cidade - incluindo o presidente do Sindicato Rural de Sorriso, Nelson Luiz Piccoli - afirma-se que Vanzella vende biodiesel a R$ 1,86. Ele nega, afirmando que sua planta é experimental para uso próprio. Laércio amarga uma queda de 85% nas vendas. Ele atribui que aproximadamente 90% da retração deve ser atribuída à conjunção de fatores como tanques extras nos caminhões aliados à carga tributária elevada do Estado (veja box). O restante poderia ser atribuído ao fator "fritura": óleo vegetal ou biodiesel. Ambos deixam um forte cheiro de pastel frito próximo aos veículos.

Como uma infelicidade comum ao mercado de combustíveis, parece mais uma vez que o downstream será dominado pela informalidade. Existe uma grande carga de receio por parte dos produtores de biodiesel em relação a uma série de fatores, que aumentam o receio de legalizar a operação. No topo das preocupações está o incentivo do governo à atividade. Mas a própria comercialização do combustível dentro das leis é um ponto que preocupa os pequenos produtores atualmente. Caso o problema não seja equacionado, é fácil prever que muitos irão preferir permanecer na informalidade acionando a fábrica sempre que houver matéria-prima para produzir a preço competitivo.

A questão da participação do governo no mercado é central. Os leilões são o principal referencial de preço do mercado para um produto tão valioso, mas cujo valor de produção varia de Estado para Estado, de município para município e até de cultura para cultura. Apenas esta característica já seria suficiente para aumentar a importância dos leilões públicos. Afinal, isto definirá a base de negociação entre distribuidoras e produtores no futuro próximo. As distribuidoras terão duas opções, comprar o produto misturado da Petrobras, ou fazer a mistura em suas bases. Para isso teriam que comprar de produtores certificados, mas precisarão negociar os valores para saber se terão condições de concorrer com o B2 da estatal.

Outro fator que deve colocar pressão no mercado é o interesse dos produtores rurais no biodiesel. Para eles, o produto está longe de ser apenas um item de redução de custo, uma mera melhoria aplicada ao processo de uso de óleo de soja nas máquinas agrícolas e caminhões. Para os produtores de grãos, trata-se de um mercado potencial significativo. "Os produtos vão ter melhor valor", avalia Normando Corral, presidente da Famato (Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso). E aqui está a terceira ironia desta história. O uso do óleo de soja - ou de outras matérias-primas - para produzir biodiesel deve ter influência positiva sobre o preço dos produtos agrícolas. Isto pode fazer com que o biodiesel simplesmente se torne inviável devido ao alto custo de produção, mesmo para os agricultores que lideraram a vanguarda de uso desse combustível. Esta talvez seja a relação mais próxima do biodiesel com o álcool. A existência de outros mercados - no caso do álcool, o açúcar - já se mostrou forte o suficiente para prejudicar o fornecimento de combustível verde. Situação similar pode acontecer com o biodiesel, principalmente quando se fala de grãos, que podem se mostrar mais rentáveis para a venda do óleo vegetal e mesmo do grão.

De resto, existem muitas diferenças que só o tempo dirá como irão se assentar. O certo é que os interesses por trás da questão serão - como sempre no mercado de combustíveis - imensos. Governos, grandes distribuidoras, agricultores e revendedores têm, ou terão, interesse crescente na questão. Isso para não falar dos consumidores. Depois de problemas com a gasolina e com o álcool, é bom a nação se preparar para lidar com o problemas no diesel que gira 44% dos combustíveis nacionais. A única coisa que não é mais possível fazer é voltar atrás.

Oferta de B2 praticamente garantida

Quando a obrigatoriedade de adição de 2% de biodiesel ao diesel entrar em vigor, provavelmente não haverá problema de oferta do produto. Esta é a expectativa da ANP. Além dos oito produtores já autorizados pelo órgão regulador, mais 31 empresas já entraram com processo para requerer a autorização da Agência.

Com isso, a capacidade de produção de biodiesel formal no país deve alcançar 2,7 bilhões de litros. O volume é superior à necessidade prevista do país.

Não é só a ANP que está lidando com um grande volume de demandas por novos projetos de biodiesel. Segundo Bill Jorge Costa, do Tecpar, chegam demandas a respeito de biodiesel todos os dias.

Segundo o superintendente de abastecimento da ANP, Roberto Ardenghy, percebe-se que os representantes desta segunda onda de interessados têm um perfil diferente das primeiras empresas autorizadas a produzir o biodiesel.

Enquanto na primeira leva as empresas tinham como foco principal de atuação o biodiesel, nesta segunda leva concentram-se empresas que têm subprodutos que podem ser usados para fabricar biodiesel, como esmagadoras de soja e frigoríficos.

Duas iniciativas de produção de biodiesel a partir de sebo de boi já se tornaram públicas. Uma delas usaria parte da refinaria de Manguinhos, enquanto o outro interessado é um dos maiores frigoríficos do país, o Bertin.

Outro grande produtor potencial que ainda não ingressou com o pedido na ANP, mas que estuda produzir biodiesel é a Cocamar, uma grande cooperativa de Maringá (PR), que pretende fabricar o biodiesel para fornecê-lo aos associados a partir da borra (ácidos graxos) do processo de esmagamento de óleo de soja. A vantagem para a cooperativa é que atualmente a borra é um resíduo que precisa ter destino apropriado. Transformar isso em combustível seria uma boa estratégia, diz o gerente comercial da área de grãos da Cocamar, José Cícero Aderaudo.

Com capacidade de esmagamento de soja de 2.500 toneladas por dia, a Cocamar foi uma das empresas que primeiro percebeu a demanda por óleo de soja como combustível.

Fonte: Revista Combustíveis